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Em visita aos Estados Unidos, o papa Francisco, como poucos líderes o fazem, ergueu a voz em defesa da família e da liberdade religiosa. Seria inócuo o discurso papal se levássemos em conta que os EUA são a terra da liberdade, com fortes fundamentos cristãos.

Mas a realidade não é bem assim. Estamos vendo o governo dos EUA embaraçar o livre exercício religioso, principalmente adotando medidas legais ou judiciais contra a família natural tradicional, assim entendida pela maioria dos religiosos e também por muitos cientistas sociais como a união entre um homem e uma mulher com capacidade biológica e fisiológica de procriar.

Por entender a família dessa forma, a escrivã Kim Davis, de Kentucky, esteve presa por determinação judicial pelo fato de ter arguido objeção de consciência ao recusar-se a dar licença a um casamento homoafetivo, mesmo depois de ter sido vencida, em todas as instâncias, em processo judicial cuja decisão entendeu que não havia fundamento para essa recusa. O fato reabre discussão entre cumprir obrigações legais impostas ao desempenho da função pública e a escusa de consciência.

A objeção é importantíssimo instrumento de defesa de cristãos, judeus, muçulmanos e até de não religiosos

Depois que o papa tinha deixado os EUA, foi divulgado que ele tinha se encontrado com Kim Davis – demonstrando-lhe apoio, segundo o relato da escrivã e de seus advogados. E, de volta a Roma, em entrevista no avião, o pontífice afirmou, com razão, que a objeção de consciência é um direito humano.

A objeção (ou escusa) de consciência decorre da liberdade de consciência. Tem origem recente, no artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabelece: “Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião”. No Brasil, está prevista no inciso VIII do artigo 5.º e no artigo 143, § 1.° da Constituição, mas depende de regulamentação legal para que possa ser arguida pelos cidadãos, o que já ocorreu em relação ao serviço militar (Lei 8.239/1991). Estranho constatar que esse importante direito não foi ainda regulamentado.

Em resumo, o objetor pode se opor a cumprir determinação do Estado que seja imposta a todos, com fundamento, por exemplo, em sua religião, com a qual ele quer e precisa ser coerente.

Assim como a liberdade de crença, a objeção é importantíssimo instrumento de defesa de cristãos, judeus, muçulmanos e até de não religiosos, sobretudo quando surgem políticas públicas acolhedoras de determinados pleitos de minorias impondo-as sobre a maioria, sem aprovação popular para isso – como, por exemplo, a imposição recente da teoria de gênero nos programas educacionais, a qual estava sendo inserida sem o conhecimento e autorização dos pais, titulares do direito à educação moral dos filhos, conforme estipula a Convenção Americana dos Direitos Humanos no seu artigo 12.4.

Além disso, trata-se de importante escudo para a defesa da dignidade da pessoa e de sua integridade moral, esta por vezes moldada pela crença religiosa, pertencente à seara dos intocáveis direitos da personalidade. Quando tais direitos são violados, a pessoa perde essenciais características dos seres humanos, a saber, a liberdade e o exercício da consciência – ou seja, o ser humano passa a ser menos humano.

Acyr de Gerone é advogado e presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/PR. Lucas Guilherme Tetzlaff de Gerone é teólogo, professor universitário e militante no campo sociorreligioso.
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