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Vivemos no Brasil um paradoxo terrível em material de limites. Enquanto um número cada vez maior de brasileiros reconhece que a natureza tem limites que quando ultrapassados provocam seriíssimas ameaças à sobrevivência do planeta, a noção de que também existem limites que não podem ser desrespeitados nas relações entre indivíduos parece não sensibilizar minimamente as pessoas. Só isso explica alguns episódios recentes e a recorrência de alguns padrões de conduta entre nós.

Não vou nem me deter no caso dos cinco mauricinhos cariocas que agrediram uma mulher indefesa de maneira vil e covarde. Segundo alguns de seus parentes, eles cometeram um engano absolutamente compreensível: acharam que a moça era uma prostituta, de onde devem ter extraído um princípio de conduta que julgavam ser absolutamente defensável: mulheres da vida, pecadoras, merecem apanhar para não incorrer em relaxações morais e indecências nem estimulá-las. O comportamento dos meninos já me assusta pela demonstração de que a barbárie continua a imperar impune em alguns círculos como o assassinato do índio Galdino já havia demonstrado; mas o que me assusta mais é a reação de alguns de seus parentes que acharam que o que eles fizeram foram apenas travessuras da adolecência e da justiça (no caso do índio Galdino), que tratou os assassinos com enorme leniência.

Não vou me deter nesses episódios, mas não quero me omitir no da inacreditável invasão do Centro de Processamento de Dados da Universidade Federal do Paraná por alguns de seus funcionários. Para eles, tratou-se de um ato plenamente legítimo de "luta política", de reação contra a "insensibilidade" do governo federal para com suas reivindicações salariais. Ou seja, para avançar um interesse sindical, os funcionários não hesitaram em interromper todos os serviços da universidade que dependem de processamento de dados. Pouco importa se os alunos foram prejudicados; menos importa que doentes do Hospital de Clínicas tenham tido seu direito à vida ameaçado, menos ainda que a universidade como instituição tivesse sofrido a humilhação de ver uma dependência pública, cujo funcionamento é pago com dinheiro público, fechada manu militari por vinte funcionários inconformados.

Mas não fica por aí. Já que a invasão do centro de informática nada mais é do que uma extensão lógica da invasão da Reitoria da USP, saudada pelos advogados da agressão como uma nova forma de luta estudantil, capaz de sacudir a apatia reinante no alunado, devemos esperar outras invasões semelhantes no futuro.

Em todos esses episódios e em muitos outros, como a invasão da sala de controle de uma usina hidrelétrica em que um dos líderes fingiu apertar os botões da usina alegremente, manifestam-se vários sintomas preocupantes: o primeiro, a absoluta inconseqüência dos atos. Que teria acontecido se os tais botões da usina tivessem sido mesmo apertados por algum radical ignorante? Quais são, efetivamente, os impactos da invasão do centro de informática da UFPR? Ninguém é capaz de dizer ao certo. Some-se a isso o desrespeito a terceiros, sejam eles particulares inocentes que ficam à mercê da violência gratuita de pessoas desajustadas; ou o desrespeito à res publica, àquilo que pertence a todos e não pode ser danificado ou impedido de funcionar porque um ou outro grupo de indivíduos acha que isso irá ajudá-los em suas demandas políticas.

E por último, a incapacidade dos gestores da coisa pública entenderem que lhes cabe evitar que isso aconteça a qualquer custo, recorrendo imediatamente à Justiça para evitar que essas invasões e ocupações intoleráveis se eternizem. No fundo, o que existe na nossa sociedade é uma enorme dificuldade em entender com clareza que a ordem é um componente fundamental da vida em associação e não uma imposição ditatorial de alguns que desejam oprimir os outros. Se não existir uma clara delimitação entre aquilo que cada indivíduo e que cada grupo social pode fazer para tentar fazer avançar seus interesses, a sociedade caminhará celeremente para a barbárie onde as disputas entre indivíduos e grupos são resolvidas na força bruta.

Como corolário, a nossa sociedade também tem enorme dificuldade em entender a função do Estado na sociedade. O Estado, acima de qualquer outra função ou prerrogativa, tem uma missão básica: equilibrar os interesses e moderar os apetites dos diferentes grupos sociais sob seu governo: fará isso pela persuasão, se possível. Pela ameaça de sanções legais, se necessário. E pela força, se não houver outra saída.

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