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A organização partidário-eleitoral tem sido uma das questões mais controvertidas do debate democrático brasileiro desde a instauração da democracia, em 1988. De um lado encontram-se os analistas que defendem os processos "naturais" de desenvolvimento político, os que acreditam que o fortalecimento partidário é o resultado de um processo histórico de organização social. Para estes, as reformas institucionais são artifícios jurídicos prejudiciais à democratização e, portanto, devem ser descartadas. De outro, encontram-se os que acreditam que o fortalecimento partidário depende também da reformulação das regras político-institucionais. Segundo estes, ao longo da história brasileira o Poder Executivo sempre interferiu no sentido de fragilizar a cidadania política em seus mecanismos representativos, sobretudo os mecanismos partidários. Nesse sentido, uma legislação voltada para o fortalecimento dos partidos estaria fortalecendo a própria democracia.

Esse debate vem de longe. Durante a Assembléia Nacional Constituinte, a idéia da mínima interferência prevaleceu e os princípios da legislação partidária foram mantidos tal como estavam desde a década de 50. O art. 17, que trata dos partidos políticos, não impõe nenhuma regra de fidelidade partidária; e o art. 55, que determina os motivos de perda de mandato, não prevê o caso da infidelidade partidária. Entretanto, os legisladores de 1988, percebendo a complexidade da questão, estabeleceram no próprio art. 17 §1.º que os partidos políticos têm autonomia para decidir internamente sobre suas regras de disciplina e funcionamento. Com base nisso, a legislação partidária de 1995 (Lei 9096) autorizou o partido político a estabelecer medidas disciplinares aos seus parlamentares – o art. 26 refere-se explicitamente à perda de mandato por infidelidade.

A decisão do TSE que vinculou o direito de mandato aos partidos e não aos candidatos individualmente (que abandonam a sigla em que foram eleitos para filiar-se a outros partidos) fundamentou-se nessa legislação, enfatizando o ponto de que "a vinculação do partido ao candidato é ínsita ao sistema representativo proporcional". Ao tomar essa decisão, o Poder Judiciário chamou para si a controvérsia do problema partidário no Brasil. Os críticos acusam o Judiciário de interferir no Legislativo, mudando regras estabelecidas, ou seja, legislando. Mas a questão não é tão simples, sendo claro o espaço para a interpretação dentro dos aspectos eminentemente jurídicos.

Contudo, um ponto fundamental dessa discussão é a compreensão sobre a posição dos tribunais superiores no que diz respeito aos poderes constitucionais da República. A Constituição Federal de 1988 garantiu a participação dos diversos órgãos de Justiça na preservação da democracia e dos direitos. O que tem ocorrido no Brasil é que na falta de uma atuação consistente dos típicos mecanismos representativos, como Legislativo e organizações da sociedade civil, os órgãos da Justiça têm atuado em favor dos direitos dos cidadãos. Esse é um fator importante que deve ser considerado.

O debate sobre o mandato e os partidos está longe de ser puramente jurídico. Trata-se de uma questão política em que o problema é compreender a quem serve a permanência do mandato individual. Parece crescer no Brasil a compreensão de que o fortalecimento partidário é crucial para o aprimoramento da democracia. Nesse sentido, a decisão do TSE demonstrou que os magistrados tiveram a sensibilidade de perceber isso. Luzia Herrmann de Oliveira é professora de Ciência Política na UEL.

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