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2014 vem carregado de história: centenário da Primeira Guerra Mundial; um quarto de século da queda do Muro de Berlim; 50 anos do golpe de 1964 no Brasil.

É provável que essas efemérides inspirem comentários sobre analogias com situações atuais e previsões de repetição de desastres passados. Alguns lembrarão Chesterton: "a história nos ensina que a história não nos ensina nada".

Mas, salvo pelo amor do paradoxo, a antiga visão cíclica do retorno incessante dos erros parece ter dado lugar a uma concepção linear da evolução. O progresso não será irreversível, como gostaríamos, nem deixará de haver retrocessos. Não obstante, algo aprendemos.

Um bom exemplo é o do colapso da Bolsa de Nova York e a Grande Depressão. 2014 marcará os 85 anos dessa catástrofe. Se desta vez a crise financeira não mergulhou o mundo em depressão comparável, foi porque os governos aprenderam a lição e evitaram os equívocos de política econômica de 1929.

Da mesma forma, se, apesar das crises da Guerra Fria, não tivemos uma Terceira Guerra Mundial, quase 70 anos depois do fim da Segunda, temos de agradecer à capacidade humana de aprender que a bomba atômica equivale ao suicídio da humanidade.

Lição adicional tem a ver com a continuação da globalização. Em que pesem as ameaças oriundas da crise financeira e as profecias do retorno do protecionismo, 2013 assistiu ao lançamento de duas meganegociações comerciais. Pode ser que o Acordo Transpacífico ou o Transatlântico não correspondam a suas ambiciosas promessas. Alguma coisa, porém, há de sair do esforço.

Ao lado da demonstração de que o anúncio da morte da Organização Mundial de Comércio tinha sido exagerado, essas negociações provam que a unificação dos mercados em escala planetária continua a avançar, embora em ritmo moderado.

O que não se concretizou foi a crença ingênua de que o comércio globalizado traria consigo nova era de harmonia para as relações internacionais. Na década de 1980, o professor Richard Rosecrance profetizava que os países empenhados em realizar seus objetivos por meio do comércio tornariam obsoletos os motivados tradicionalmente pela busca do poder e território.

Hoje, dois dos mais indiscutíveis exemplos de Estados comerciais, a China e o Japão, arreganham os dentes um para o outro por causa de alguns rochedos nus no meio do mar. Dias atrás, o papa Francisco ensinava que a mundialização do comércio pode tornar-nos vizinhos ou clientes uns dos outros, mas não tem o poder de nos fazer sentir mais fraternos e solidários.

O resultado é a "globalização da indiferença" diante do tráfico de seres humanos, da prostituição de crianças, do massacre de inocentes em tantas guerras esquecidas. O sentido profundo da globalização deveria ser a consciência da unidade da família humana.

O comércio e a economia não são capazes de promover consciência. Ela terá de brotar da solidariedade com o sofrimento e a privação. Essa é lição que temos ainda de aprender: que só haverá paz e prosperidade seguras para cada um se houver paz e prosperidade para todos.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

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