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Para não bancar o desmancha-prazer e estragar o carnaval dos foliões parlamentares nem azedar o humor do presidente-candidato Luiz Inácio Lula da Silva, adiei para esta semana de retomada da rotina a sumária crítica sobre um dos episódios mais importantes dessa fieira de meses de frustrações, vexames e de vergonha: o puxão de orelhas do Supremo Tribunal Federal (STF), com sacudidela enérgica e torção do lóbulo até quase despregá-lo da cabeça nos ilustres senadores e deputados federais, no resto da turma dos escalões estaduais e, no mesmo embalo, no Executivo, nos muitos degraus do mais descarado nepotismo. Por dá cá aquela palha, a mediocridade de fato corriqueiro que alcance fugaz repercussão é alçado à qualificação de histórico. Pois estamos realmente diante de um singular instante de afirmação da mais alta corte da Justiça, que resgata o desgaste de decepções recentes, como na desastrada articulação do seu presidente, ministro Nelson Jobim, de parceria com o então presidente da Câmara, o folclórico ex-deputado Severino Cavalcanti, patrono do baixo clero, para o reajuste, em dose dupla, dos vencimentos dos ministros do STF, saltando de R$ 19 mil para R$ 21.500, retroativo a 1.° de janeiro de 2005 e previsão do salto para R$ 24.500 neste ano.

Águas que passam debaixo da ponte, na enxurrada do grande lance do dia 15 de fevereiro, quando o Supremo Tribunal Federal, por 9 votos a 1, considerou constitucional a resolução do Conselho Nacional de Justiça que proíbe a prática desmoralizante do nepotismo no Judiciário. É uma vassourada em regra que cala a boca dos useiros e vezeiro em premiar parentes com a nomeação para cargos de confiança, que dispensam a maçada democrática dos concursos, com salários e vencimentos e gratificações que transitam pelos mais variados valores, da modéstia de gorjetas a invejáveis boladas dos milhares de reais.

A praga é mais velha que a veneranda Sé de Braga. Por cá desembarcou como artigo de luxo na carga da frota de Pedro Álvares Cabral. Pegou como tiririca, prosperou sempre, não conheceu o dissabor de fases ruins, ao sereno é à chuva do esquecimento. E resistiu aos muitos esforços, em geral fingidos, para extirpá-la. Ressalve-se que na ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, o finado Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) instituiu o sistema do mérito, com a obrigatoriedade dos concursos à admissão a cargos públicos. Brecha estreita resguardava as exceções de atividades privilegiadas, como tesoureiros, para ficar no exemplo mais comum.

Nas democracias e nas ditaduras, o nepotismo deitou raízes profundas em todos os terrenos. E tal como erva-de-passarinho, que pula de árvore em árvore, o nepotismo infiltrou-se pelo Executivo sem deixar um palmo livre do parasita insaciável. Contaminou o Judiciário, acomodou-se no Legislativo como galinha choca em ninho de pena.

É vício nacional da afortunada parentela dos ricos, dos poderosos, dos cupinchas. Candidatos nas arengas da demagogia eleitoreira, sob pressão de críticas, prometem podar os excessos sem receio de criar problema doméstico ou com amigos e cabos-eleitorais nem de assustar aos apadrinhados: todos sabem que promessa de campanha, a brisa leva.

Foi preciso a crise enlameada pela corrupção recordista da roubalheira do caixa 2 e a desfaçatez do mensalão para que as barbas sapecadas fossem tangidas à reação. No Congresso, a traquitana do pudor não saiu do lugar. Discursos veementes, projetos moralizadores e nada de prático.

O governo. acionado para a campanha da reeleição. não tem vagares nem tutano para enfrentar o desafio maior do que a sua garra e competência.

A semente germinou na roça da toga. E caminhou aos tropeções pelos atalhos bons de briga. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acertou o tiro na mosca com a aprovação da proposta que proíbe a nomeação e parentes de magistrados até o terceiro grau, inclusive tios e sobrinhos, cônjuge e companheiros e parentes por afinidade, como cunhados e noras para cargos de confiança e funções comissionadas nos tribunais federais e estaduais. E, para completar o serviço, impôs a demissão dos nomeados dos seus nichos de privilégios.

A colméia em polvorosa agiu com precipitada incompetência que se embaraçou no espinheiro da falta de ética. A demissão de 1.682 parentes de ministros, desembargadores, juízes de uma tacada doeu e sangrou como punhalada no bolso.

Liminares às centenas esmurraram as portas escancaradas dos tribunais estaduais de Justiça, comovendo os sensíveis corações tocados pela choradeira dos parentes. E 759 delas foram concedidas, suspendendo as demissões.

A impaciência do interesse é péssima conselheira. Fogo de morro acima não se apaga com esguicho de mangueira furada. O STF acolheu a ação declaratória de constitucionalidade da Associação dos Magistrados do Brasil, declarou constitucional a decisão do Conselho Nacional de Justiça e acabou com o bailarico em família.

O moroso presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo, surfou na onda do STF e anunciou a prioridade para a votação da encalhada emenda constitucional que proíbe a contratação de parentes nos Três Poderes e no Ministério Público.

Desse jeito não vai escapar náufrago da tragédia do nepotismo. É ver para crer, com um olho atento da desconfiança. Afinal, a esmola é milionária.

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