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Nenhum sábio arriscaria pensar que aquele profeta e visionário pudesse um dia influenciar mais do que um punhado de apóstolos semianalfabetos, quanto mais mudar a história do mundo

Estava procurando um tema para esta crônica de Natal e tinha de ser especial: nada de falar em apagão aéreo (que preguiça ver a Anac aconselhando os passageiros a ficar em casa até descobrir se os aviões irão decolar ou não...), nem no ministério da presidenta eleita, Dilma Rousseff, muito menos nos juros e na carga fiscal que pesam no lombo dos brasileiros. Tudo isso empalidece frente ao significado do Natal, à sua transcendência insuperável. O Brasil prosperará ou enfrentará tempos difíceis, juros subirão e cairão, seremos sangrados em maior ou menor escala pelo apetite voraz dos governantes, alguns ministros verão seus currículos se transformarem em biografias, enquanto os de outros escorregarão para a pasta dos prontuários policiais. Nada disso tem significado permanente, serão apenas episódios fugazes de nossa trajetória nacional.

Corre uma anedota na internet que afirma que, se vivesse hoje, Jesus Cristo não poderia transmitir Seus ensinamentos: não fossem duas breves citações do historiador Flavius Josephus, não teria nem como comprovar sua existência; não tinha curso superior, nem currículo Lattes, não falava uma segunda língua, nunca publicou um artigo em revistas científicas e os textos atribuídos a ele foram, na realidade, escritos dezenas de anos após sua morte por alguns de seus amigos e admiradores.

No entanto, a prova definitiva da divindade do Cristo vem da absoluta improbabilidade – à luz da ciência humana – do cristianismo se transformar em algo mais do que a pregação solitária de um pescador pobre, perdido nas lonjuras de uma colônia menor do Império Romano. Nenhum sábio arriscaria pensar que aquele profeta e visionário pudesse um dia influenciar mais do que um punhado de apóstolos semianalfabetos, quanto mais mudar a história do mundo. O fato de tê-la mudado na profundidade e na extensão que fez desafia a sabedoria humana e é, para mim, a prova definitiva de Sua divindade. Por isso há alguns anos escrevi uma crônica denominada "O Business Plan", que repito parcialmente a seguir.

"Fico pensando o que seria do céu se o Senhor resolvesse recorrer à "sabedoria" de consultores de empresas antes de mandar Seu filho à Terra. "Senhor" – ponderou o primeiro consultor – "com o devido respeito, parece-nos que existem alguns pontos duvidosos da maior importância, como a questão geográfica e geoestratégica. O centro econômico e político do mundo está situado em Roma, que irradia influências para as outras regiões. Portanto, se quisermos gerar um efeito multiplicador realmente importante, a "Operação JC" (consultores adoram abreviações e acrósticos) terá de ser em Roma mesmo; só numa segunda etapa, ser multiplicada para o resto do Império Romano e depois para o restante do mundo conhecido. No entanto, vejo que o Senhor está pensando em lançar o projeto na Palestina, uma área periférica do Império onde não existe nenhum potencial de trendsetting. Essa – com o devido respeito – é uma decisão arriscada".

"Nada contra a Palestina" – engatou o segundo consultor – "mas temos de ser realistas: o que se sabe da região é que os grupos locais se detestam mutuamente e estão permanentemente em conflito, o que inviabiliza qualquer tentativa de criar um clima favorável para utilizar as técnicas do ‘viral marketing’. Os efeitos da operação podem demorar três, quatro séculos, até atingirem o centro do poder no mundo, o que é um prazo demasiado longo. E há ainda o problema do meio e da mensagem. A língua, por exemplo, pois o aramaico é pouco conhecido. Chequei também os currículos dos que vão participar e são todos gente muito simples, pescadores analfabetos... Será que estarão à altura da complexidade toda de uma operação desse porte e com objetivos tão vastos?"

Na saída da reunião, os consultores comentavam: "acho que o convencemos..." "Também, pudera, os nossos argumentos eram muito fortes." Na antessala cruzaram com um conhecido. "Oi Gabriel! Que é que anda inventando por aqui?" "Não sei. O Senhor mandou me chamar com urgência. Pelo jeito é coisa muito importante!"

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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