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O populismo não é ameaça
| Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República

O populismo se inspira em antagonismos: as demandas das massas contra interesses de elites corrompidas; a nova política, ancorada em programas contra a velha política, caracterizada pelo toma-lá-dá-cá; a reforma das instituições de Estado versus o statu quo.

O cenário social brasileiro é propício à implantação do populismo? Se considerarmos que a corrente tende a caminhar por terrenos atolados em profunda crise econômica, tenha sido ela deflagrada pela esquerda ou pela direita, a resposta é sim. Atravessando um frágil ciclo econômico, com a população descrente nos agentes políticos, desanimada em ver roubalheira e corrupção por todos os lados, o país agasalharia as condições para a implantação de uma política populista.

A isso, pode-se acrescer o fato de que o cobertor demagógico é feito de densa espuma emotiva, que se mostra na polarização entre alas, na expressão indignada de grupos contrários, que escolhem a arena das redes sociais para vituperar uns contra outros, expandindo a bílis que escorre pelas veias das correntes guerreiras.

A demanda por populismo é maior entre as camadas sofridas

Do desenho acima, seria possível inferir que, se não fizer as reformas necessárias à retomada do crescimento, o governo de Jair Bolsonaro poderia tentar uma saída pela via populista. Afinal, a demanda por populismo é maior entre as camadas sofridas. Felizmente, tal alternativa é inviável no Brasil por um conjunto de razões.

Em primeiro lugar, é oportuno lembrar que uma solução como essa jamais seria abraçada pelo núcleo que atua na frente econômica encabeçada por Paulo Guedes. Os gestores que com ele trabalham vestem a camisa liberal e jamais topariam deixar a coerência de ideário por uma aventura populista. Não aceitariam bancar a demagogia.

Leia também: A recessão e a ameaça (editorial de 19 de maio de 2019)

Leia também: O Brasil em expectativa: até quando? (artigo de Marcos Domakoski, publicado em 12 de maio de 2019)

Segundo, nossa “revolução castrense” (militar), essa imaginada pelos generais que estão no governo, tem por meta o desenvolvimento da nação, com o qual se identificam e que integra o manual governamental que decidiram adotar na administração Bolsonaro. Repelem a volta ao autoritarismo.

Terceiro, há um forte núcleo racional que habita o centro da pirâmide, composto por amplos nichos de classes médias – profissionais liberais, empresários, áreas da intelligentsia –, movido pela preocupação de ver o país trilhando a rota do meio, em que o Estado de Bem-Estar Social encontra as políticas liberais, âncora da livre iniciativa. Portanto, esse contingente não combina com uma virada populista.

O nosso presidente até pode defender, em seu íntimo, programas ou ideias de grande aceitação popular, como a atualização da tabela do Imposto de Renda pela inflação, como prometeu recentemente – algo que não combina com a ameaça de Paulo Guedes, ansioso para acabar com a dedução de gastos com saúde e educação no IR. Pior: se a reforma da Previdência não foi aprovada, faltarão recursos para o Bolsa Família. Foi o que alertou Guedes. O leitor já imaginou a grita geral?

O desencanto geral com a política e com os políticos dará um gás adicional ao presidente

Em suma, o que Bolsonaro pode fazer, e está fazendo, mesmo sob sérias críticas de parcela da sociedade, é colocar em prática as promessas de campanha, particularmente a pauta das armas (com a flexibilização do porte e da posse de armas) e a descontaminação ideológica (por meio do Escola sem partido), sob a régua da extrema-direita, essa que vitamina a polarização social. Agora, no que diz respeito a dinheiro, isso é competência da equipe econômica. O presidente até dá palpites, mas acaba recuando quando percebe que não pode furar o balão da economia.

O desencanto geral com a política e com os políticos dará um gás adicional ao presidente, garantindo-lhe uma trajetória cheia de obstáculos, mas, ainda assim, permitindo que chegue ao outro lado do rio das mortes. A não ser que seja ele o propulsor de uma débâcle estrondosa nos quadrantes de nossa economia. Se isso ocorrer, babau. Ademais, o ciclo petista e o que se passa ao nosso redor em matéria de esquerda, como é o vulcânico desastre venezuelano, funcionam como antídoto contra a volta do lulopetismo. Lembrando: mantida a decisão do STJ, Lula só teria condições de voltar como candidato a partir de 2035, quando terá 89 anos.

Por isso, é viável inferir que a travessia de Bolsonaro, mesmo semeada de minas, pode ir até o fim. Mas seu estilo de atirador acabará viabilizando perfis mais moderados.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação.

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