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O jornalista Ricardo Boechat perguntou ao humorista José Simão o que ele achava da notícia de que o Brasil iria emprestar 5% das nossas reservas internacionais para o Fundo Monetário Internacional (FMI) e do fato de o presidente Lula deitar falação em cima do Fundo, dizendo o que ele deve e o que não deve fazer. Sarcástico como ele só, José Simão disse que estava tudo invertido e que "o poste fez xixi no cachorro", pois o FMI passou décadas dando dinheiro ao Brasil e ditando regras ao país.

Ironias à parte, o FMI era um dos quatro demônios estrangeiros que o PT, a CUT, a CNBB e políticos de esquerda venderam, por décadas, como demônios responsáveis por nossas desgraças. Os outros três eram as multinacionais, a dívida externa e o imperialismo norte-americano. Desde estudante eu via com ressalvas a gritaria raivosa dos meus professores socialistas contra esses demônios, sempre culpando-os por nossa pobreza. Minha indignação vinha de nunca ter visto uma exposição metódica, fundamentada e lógica, capaz de explicar porque eles, e não nós, eram os causadores das mazelas brasileiras. Parecia-me infantil inculpar inimigos externos com base em nada mais do que slogans eleitoreiros, e manifestei essa opinião em jornais nos anos oitenta e noventa.

Embora fosse católico e frequentasse os cursos religiosos para a juventude, nunca reconheci qualquer autoridade nos bispos da CNBB que me convencesse de que eles tinham razão ao acusar o FMI, a dívida externa e as multinacionais pelas nossas desgraças. Para mim, aquilo era uma coisa fanfarrona, justamente porque o pesado curso de Economia que fiz me obrigava a tratar dos temas com rigor teórico e senso lógico, coisa que, na sua imensa maioria, os bispos, os políticos socialistas e os sindicalistas não dominavam. Gritaria, xingamentos e faixas eram ferramentas úteis para a algazarra eleitoral, mas não serviam para explicar problemas econômicos.

Com 216 bilhões de dólares de reservas internacionais (resultado dos saldos positivos do balanço de pagamento do país, que é a relação da economia nacional com o resto do mundo), o Brasil pode se dar ao luxo de alocar 10 bilhões de dólares no FMI e participar na definição das regras para o uso desse dinheiro. Nada há de errado nisso. O FMI é um clube, do qual participam mais de dois terços das nações do mundo, que nele colocam dinheiro para ser utilizado em empréstimos a países que têm déficits nas suas contas externas. É uma forma de ajudar países em dificuldades a manterem o fluxo normal das suas importações e reduzir as dores da crise.

A bronca contra o FMI vinha do fato de se exigir, do país financiado pelo Fundo, o cumprimento de uma lista de sacrifícios, com destaque para a austeridade fiscal e monetária. O FMI sempre foi um estraga-festa, pois não há esporte mais ao gosto dos políticos do que gastar o dinheiro dos outros e, se possível, gastar o que o governo não tem. Político no poder tem horror a austeridade fiscal e entre os que xingavam o Fundo Monetário em passeatas públicas estava o Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Inácio (Lula) da Silva. Lula lembra Raul Seixas, como bom exemplo de metamorfose ambulante. Mas ele não está errado. Errado ele estava naquela época, junto daqueles que, por culparem inimigos externos, nos dispensavam de fazer autocrítica e procurar, aqui mesmo, as razões dos nossos dramas. Para mim, nosso atraso sempre foi genuinamente nacional.

Se o FMI fizer modificações em algumas de suas regras, de forma a adaptá-las ao momento atual, já que seus estatutos vêm da criação do órgão em 1944, ele poderá ser útil a muitas nações pobres que, sem financiamento externo, não conseguem manter o fluxo de importações de produtos vitais para o bem-estar da sua população. E Lula continuará deitando falação em cima do FMI. É a vingança de Davi contra Golias ou, ainda, a vingança do poste contra o cachorro.

José Pio Martins, economista, é vice-reitor da Universidade Positivo.

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