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| Foto: Alan Santos/PR

Pelo que se pode entrever dos primeiros dias de governo, se Jair Bolsonaro chegar ao termo de seu mandato e conseguir executar minimamente o que se propõe, entrará para a história como um dos maiores e mais hábeis políticos do Brasil.

Não digo que será um bom nem um mau presidente, ou que fará dos melhores ou piores governos da história do país. O ponto é mais simples: se conseguir governar, só por isso terá demonstrado nível de habilidade política que mereça sua inclusão no rol dos grandes. Explico.

O governo Bolsonaro é composto – como qualquer outro num regime democrático – pela confluência de diversos grupos de interesses diferentes. Sua peculiaridade consiste no grau de contradição interna entre esses grupos e na ausência de um direcionamento superior que os coordene por parte do presidente. Grosso modo, podemos destacar quatro pilares de sustentação de sua coalizão: liberais (representados pelo ministro da economia Paulo Guedes), militares (que povoam diversas pastas), representantes do agronegócio e representantes evangélicos. Não quer dizer que todos os membros desses grupos tenham apoiado a candidatura e agora o governo Bolsonaro, nem que esses quatro vetores condensem a totalidade da coalizão; trata-se apenas de um retrato aproximado do time escalado pelo presidente.

O governo Bolsonaro é composto – como qualquer outro num regime democrático – pela confluência de diversos grupos de interesses diferentes

Ora, se a campanha eleitoral e a primeira semana de governo servem de indicação, podemos prever atritos frequentes entre dois ou mais pilares no decorrer do mandato. Dois exemplos ilustrativos retirados da campanha: ao anunciar a intenção de transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém, Bolsonaro arrancou aplausos de setores evangélicos e reprimendas do setor agropecuário – provocadas pela reação de países árabes que acenaram com o boicote nas importações de carne brasileira caso a medida vier a se concretizar; ao ouvirmos ad nauseam os alertas de Guedes quanto à urgência de uma ampla e radical reforma da previdência – ecoados apenas genericamente por Bolsonaro, sem se comprometer com detalhes –, logo escutamos também a reação de militares, que não querem ter seus direitos (ou privilégios) previdenciários reduzidos. Como essas contradições serão resolvidas, dissolvidas, superadas? Pelo que se tem visto no início do mandato, não serão.

A pergunta é tanto mais embaraçosa quanto menos somos capazes de responder a seguinte indagação: afinal, qual será a tônica do governo Bolsonaro? A promessa é de um país liberal na economia e conservador nos costumes, sem excesso de intervenção estatal mas com subsídio ao agronegócio, fortalecimento da soberania através da valorização das forças armadas, mas com austeridade fiscal e sem tocar nas corporações do funcionalismo público, com uma educação inovadora voltada para o empreendedorismo, mas ancorada em valores tradicionais da família e de uma visão religiosa de mundo, coordenada pelos militares. No mínimo, confuso.

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Se, como diz o ditado, “governar é contrariar interesses”, então é chegada a hora do presidente descer do palanque de candidato que promete agradar a gregos e troianos –condição normal do discurso político, necessária para o sucesso eleitoral – e vestir a faixa presidencial, sabendo demarcar limites e recusar concessões, ao mesmo tempo em que mantém cada pilar de sustentação em pé, a despeito de eventuais rachaduras. Trata-se de um malabarismo delicado e dinâmico, de cujo sucesso depende a governabilidade – essa palavra maldita – nesses quatro anos de governo.

Caso consiga fazê-lo, ao final do mandato estaremos discutindo os méritos e deméritos do governo Bolsonaro em função do desempenho das políticas públicas por ele implementadas. Caso não consiga, em 2022 faremos uma recapitulação de tropeços e entraves, de um governo marcado por curto-circuitos internos e que nunca terá chegado a decolar e a avançar em suas intenções.

Neste último cenário pessimista – presumindo sempre que será mantida a institucionalidade e a normalidade democrática formal –, podemos esperar duas posturas por parte do presidente e de sua equipe: uma transferência de responsabilidade pela inépcia política ao inimigo externo, quer seja a infame “herança maldita” dos governos anteriores (expressão cristalizada por Luiz Inácio Lula da Silva que poderá ironicamente voltar-se contra seu grupo político), quer seja a imprensa que por meio das “fake news” terá desestabilizado e impedido o governo a cada passo; ou então a multiplicação da tática de “cortinas de fumaça”, com declarações sobre temas majoritariamente irrelevantes tomando o centro das atenções e desviando os olhares da mídia e da sociedade civil do que realmente importa – como já temos visto com a ministra Damares Alves.

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Só podemos esperar – nos dois sentidos do verbo – que o presidente se revele um excelente equilibrista ou malabarista e seja capaz de gerenciar esses conflitos e a cacofonia por eles desencadeada. Como dito, isso seria revelador de uma excepcional capacidade política, tamanho é o nó a ser desatado. No entanto, não bastará para a concretização de um bom governo, nem para o avanço nos maiores desafios nacionais; trata-se de uma condição necessária mas não suficiente para “melhorar isso daí” e “mudar tudo o que está aí”. Aguardemos.

Rafael Barros de Oliveira, mestrando em filosofia na USP, pesquisador visitante na Université Paris-Nanterre.
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