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Imagem ilustrativa.| Foto: Divulgação/Exército

Em data recente e de modo repentino, o general Edson Pujol, atual comandante do Exército, proclamou que os militares não almejam se envolver com a política e nem desejam que a política avance no interior dos quartéis. Disse ele que “não somos instituições de governo, não temos partido. Nosso partido é o Brasil. Independentemente de mudanças ou permanências em determinado governo, por um período longo, as Forças Armadas cuidam do país, da nação. Elas são instituições de Estado, permanentes. Não mudamos a cada quatro anos a nossa maneira de pensar e como cumprir nossas missões, nosso assunto é militar, preparo e emprego”.

Após esta verberação emergiram algumas repercussões. Bolsonaro disse que o fato de os militares não quererem fazer parte da política se coaduna com o que ele pensa sobre o papel das Forças Armadas. De acordo com seu pensamento, elas se mostram como   maiores sustentadoras e garantidoras da democracia e da liberdade e devem continuar afastadas dos partidos políticos. Frisou também seu papel de defesa da pátria e de garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem sob a autoridade suprema do presidente da República. O Ministério da Defesa divulgou uma nota assinada pelos três comandantes, apontando que o único representante político dos militares no governo é o ministro Fernando Azevedo e que as Forças Armadas se encontram totalmente afastadas da política partidária e voltadas exclusivamente para as atividades e necessidades de seu emprego em missões legalmente previstas. Por sua vez, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, asseverou que a “política não pode estar dentro do quartel. Se entra política pela porta da frente, a disciplina e a hierarquia saem pela porta dos fundos”.

Não é preciso fazer nenhuma análise rigorosa para inferir que o elemento central dessas manifestações diz respeito aos partidos políticos. Quanto a eles, muitos sabem que são associações voltadas para a conquista legal e legítima do poder político. É sabido também que os mesmos constituem elementos essenciais do regime democrático, uma vez que é por meio deles que a democracia representativa funciona. Assim sendo, se os partidos são relevantes para a dinâmica política democrática, causa certa perplexidade ouvir que não são bem-vindos no âmbito militar.

Estas manifestações bastante incisivas parecem não encontrar respaldo na realidade circundante. A não ser que seja de conhecimento reservado a poucos militares, não constitui fato notório a atividade partidária no interior da caserna. Vale lembrar que as relações dos servidores fardados com os partidos políticos desde há muito tempo encontram-se devidamente regulamentadas, e pelo que se sabe ela vem sendo obedecida na íntegra. Cabe destacar também que é desconhecido o assédio dos partidos a militares na porta dos quartéis.

Nossa história registra algumas ocasiões específicas em que aconteceu um marcante envolvimento de militares com partidos. Talvez a primeira delas diga respeito à Guerra do Paraguai. Naquela conflagração, comandantes inscritos em partidos políticos concederam privilégios aos que neles eram filiados. Segundo consta, este acontecimento contribuiu para dificultar o processo decisório e a escolha de estratégias de combate, mas não impediu a consecução da vitória. Vale lembrar, entretanto, que nesta época nosso Exército era muito carente em tudo, principalmente de organização. No momento atual as Forças Armadas se encontram bem estruturadas, as funções se pautam pelo critério da meritocracia e não há nenhuma hipótese de guerra convencional.

Outra ocasião despontou na década de 60 do século passado, logo após a aplicação do golpe que instituiu o regime antidemocrático no país. Com efeito, em tal momento de nossa história foi criado o partido Aliança Renovadora Nacional. Observe-se que sua geração se deu por meio de um ato institucional com a finalidade de proporcionar sustentação política à ditadura civil-militar emergente, a qual conseguiu ser concretizada.

A terceira ocasião é bem mais próxima e tem a ver com a eleição de Bolsonaro. Muitos servidores fardados demonstraram euforia e apoio ao capitão da reserva e, consequentemente, ao Partido Social Liberal, que o lançou como candidato. Na época o então general Villas Boas, comandante do Exército, exerceu pressão junto ao Supremo Tribunal Federal com vistas a impedir a candidatura de Lula, do Partido dos Trabalhadores, e foi bem sucedido.

É necessário acrescentar que se encontra em andamento uma iniciativa destinada a consolidar o denominado Partido Militar Brasileiro, que já tem estatuto e milhares de associados em quase todos os estados do país. É preciso destacar, também, que existem pesquisadores da ciência política para os quais as Forças Armadas tendem a se mostrar como forças políticas na medida em que desempenham por meios peculiares certas funções que são próprias dos partidos políticos.

De modo comparativo, vale observar que em países mais desenvolvidos inexistem barreiras intransponíveis entre os partidos políticos e os militares. Na França eles mantêm frequente contato com os integrantes daqueles que costumam defender seus anseios no parlamento. Nos Estados Unidos os militares declaram publicamente suas preferências partidárias, e hoje sabe-se que a maioria deles vota nos candidatos do Partido Republicano, enquanto uma minoria prefere o Partido Democrata. Não se tem notícias de que nesses países ocorreram momentos de quebra de hierarquia e disciplina tanto na vida cotidiana quanto em situações de combate, por causa do envolvimento com partidos políticos.

Chama bastante atenção, também, a fala do general Mourão. Ele foi mais além, pois acentuou que a política não pode entrar nos quartéis. Isto significa que os militares devem permanecer apartados dela. Ressalte-se que esta proposta não encontra respaldo em nenhuma teoria das ciências sociais. É preciso lembrar que muitos temas debatidos no parlamento são discutidos em aulas nas academias castrenses, bem como constituem títulos de artigos, monografias, dissertações e teses elaborados pelos militares. Cabe lembrar, ainda, que as duas principais finalidades da política dizem respeito à manutenção da ordem pública no âmbito interno e à defesa da integridade nacional no relacionamento de um Estado com outros, as quais envolvem diretamente as Forças Armadas.

É importante notar que esta fala e a posição apartidária provocaram uma significativa ressonância no meio civil. Alguns jornais importantes do país exibiram editoriais e artigos compostos por limitados argumentos a favor de ambas, e os meios televisivos apresentaram a mesma concordância por meio de incipientes análises realizadas pelos seus comentaristas oficiais.

Frente ao exposto, é necessário colocar algumas possíveis inferências. Uma delas é a de que a fala do general Pujol, que gerou diversos pronunciamentos, pode ser interpretada como uma expressão de descontentamento dos servidores fardados frente às investidas do atual presidente da República com vistas a envolver as instituições castrenses nas ações políticas. Ela deve ter emergido em decorrência de um discurso anterior de Bolsonaro, no qual abordou o emprego da “pólvora” contra os Estados Unidos.

Pode expressar também um desencanto com a gestão de Bolsonaro, uma justificativa para desvincular as instituições bélicas de seu governo, uma reação à relativa perda de importância das Forças Armadas no atual momento, as quais foram substituídas pelo alugável bloco de políticos do Centrão, haja vista as várias demissões e desautorizações de militares ocupantes de cargos administrativos. Ressalte-se que, no início de seu mandato, o capitão presidente acalentava concretizar um projeto autoritário de governo e, para tanto, queria contar com o apoio dos militares; felizmente, devido a uma série de fatores, este execrável sonho não se realizou.

Quanto à ideia de impedir a entrada dos partidos e da política nos quartéis, cabe dizer que a mesma é acertada, mas não pelos argumentos expostos. O que deve ser ressaltado é que toda sociedade pautada pelo regime democrático conta com uma esfera pública destinada aos cidadãos paisanos e fardados para a realização de debates, tomada de decisões e realização de atividades cívicas voltadas ao interesse coletivo. Assim sendo, tanto os quartéis como os demais setores de trabalho não constituem ambientes adequados para seus integrantes se comportarem como governantes e influenciadores das decisões políticas.

Mencione-se derradeiramente que a celeuma em questão tem muito a ver com a recorrente inadequação das condutas manifestadas por civis e militares. Os militares não abrem mão da autonomia secularmente ostentada, não admitem abandonar o tradicional exercício da tutela sobre o Estado e devem continuar portando um amainado sentimento de superioridade. Os civis, por sua vez, especialmente aqueles que fazem parte dos setores dominantes da sociedade, nunca demonstraram e continuam não demonstrando o devido interesse e a necessária competência para posicionar os militares de acordo com os ditames do lídimo regime democrático.

Antonio Carlos Will Ludwig é professor aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em Educação e autor de “Democracia e Ensino Militar” e “A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania”.

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