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O que são alimentos fakes e por que eles são perigosos

Consumidor
Alimentos fakes são um fenômeno que vai muito além de um truque de marketing: trata-se de uma prática que envolve riscos à saúde. (Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo)

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Nos corredores dos supermercados, nem tudo é o que parece. Produtos que imitam os originais em aparência, cor, embalagem e até nome têm ocupado espaço nas prateleiras e nos carrinhos de compras dos consumidores brasileiros. São os chamados “alimentos fakes”, um fenômeno que vai muito além de um truque de marketing: trata-se de uma prática que envolve riscos à saúde, confusão no consumo e sérias implicações jurídicas, especialmente no campo do direito do consumidor e da propriedade intelectual.

Os “alimentos fakes” são produtos que se apresentam como algo que não são, seja pela aparência, pelo nome, ou mesmo pela forma de divulgação. Muitas vezes, usam ingredientes substitutos de qualidade inferior, mas mantêm elementos que induzem o consumidor a acreditar que se trata do alimento tradicional. Em alguns casos, não há necessariamente fraude ou ilegalidade direta na composição, mas sim uma estratégia deliberada para se passar por outro produto mais conhecido, confiável ou desejado. Um exemplo recente é o “café fake”, que surgiu após o aumento no preço do grão. A bebida, em vez de conter café puro, mistura outros ingredientes como cevada, milho e até carobinha, enganando quem espera consumir o produto original.

O combate aos alimentos fakes exige vigilância, informação e responsabilidade. Trata-se de proteger o consumidor, garantir a concorrência leal e valorizar quem investe em qualidade e confiança

Além do café, outros exemplos incluem queijos processados que não contêm leite em quantidade mínima exigida, molhos de tomate que têm pouco ou nenhum tomate, mel com adição de xaropes ou açúcares não declarados e até requeijões, iogurtes, azeites e temperos cuja composição compromete sua identidade alimentar. Esses produtos podem até estar legalmente registrados, mas sua apresentação muitas vezes leva o consumidor ao erro, configurando um caso de publicidade enganosa, como no recente caso em que uma grande multinacional do ramo de alimentos foi multada pelo Procon-SP por induzir os consumidores a erro quanto à natureza dos ingredientes utilizados em uma de suas linhas de biscoitos e de produtos lácteos. 

Os riscos para o consumidor são diversos. Em primeiro lugar, há o risco à saúde. Alimentos adulterados ou compostos com ingredientes de menor qualidade podem provocar reações alérgicas, problemas digestivos, intoxicações ou simplesmente não entregar o valor nutricional esperado. Em segundo lugar, há o prejuízo financeiro: o consumidor paga por um produto esperando uma determinada entrega e recebe algo absolutamente inferior. Por fim, há o abalo à confiança: a sensação de ter sido enganado mina a relação de boa-fé entre consumidor e fornecedor, essencial em qualquer relação de consumo.

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Do ponto de vista jurídico, os “alimentos fakes” também afetam diretamente os titulares de marcas e fabricantes dos produtos originais. As imitações frequentemente se valem de sinais distintivos muito semelhantes aos das marcas tradicionais, incluindo cores, embalagens e nomes que lembram, mesmo que sutilmente, os produtos consagrados. Isso configura, em muitos casos, violação de marca e de trade dress, ou seja, do conjunto de elementos que compõem a identidade visual do produto. A consequência é a diluição do valor da marca, o desvio de clientela e, por vezes, a associação indevida com produtos de baixa qualidade, o que compromete a reputação construída pela empresa ao longo do tempo. A legislação brasileira é clara ao proteger a marca registrada e os sinais distintivos do concorrente, inclusive contra práticas que levem à confusão ou associação indevida.

Diante desse cenário, como o consumidor pode se proteger? O primeiro passo é a informação. Ler atentamente os rótulos, verificar a lista de ingredientes, desconfiar de preços muito abaixo do mercado e procurar marcas com boa reputação são atitudes fundamentais. Em caso de dúvida, vale pesquisar e, se necessário, denunciar práticas enganosas aos órgãos de defesa do consumidor.

Para os titulares de marcas e fabricantes legítimos, a proteção começa com o registro de marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), incluindo, sempre que possível, a proteção de elementos que possam abarcar seu trade dress. Além disso, é recomendável monitorar o mercado, realizar testes comparativos e não hesitar em buscar medidas judiciais ou administrativas contra práticas concorrenciais desleais. A atuação junto ao Procon, à Anvisa e à Justiça pode garantir a retirada de produtos que infrinjam direitos e confundam o consumidor, bem como impor o pagamento de indenizações aos infratores.

Por fim, cabe também ao poder público exercer um papel mais proativo e firme no enfrentamento aos alimentos fakes. Isso passa por reforçar a fiscalização, atualizar normas de rotulagem, aplicar sanções rigorosas em casos de fraude ou publicidade enganosa e promover campanhas educativas sobre o consumo consciente. A atuação coordenada entre agências reguladoras, órgãos de defesa do consumidor e entidades de classe pode criar um ambiente mais seguro, justo e transparente tanto para quem compra quanto para quem produz de forma ética.

O combate aos alimentos fakes exige vigilância, informação e responsabilidade. Trata-se de proteger o consumidor, garantir a concorrência leal e valorizar quem investe em qualidade e confiança. Afinal, quando se trata de comida, a verdade deve estar no prato...e também no rótulo.

David F. Rodrigues e Thais de Matos Macedo Lio são advogados do Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello. 

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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