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O Brasil tem as melhores leis do mundo. Isso já não é novidade. A nossa Constituição é o primeiro exemplo de legislação avançada, democrática que promete o respeito aos direitos humanos, sociais... O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei de grande valor e seus princípios, como o da proteção integral, são elogiáveis e servem de referência para outras legislações. Dizem haver, no Brasil, entretanto, leis que pegam e leis que não pegam.

No próximo dia 10, a Declaração Universal dos Direitos Humanos faz 60 anos. Diversas entidades do mundo inteiro já estão se preparando para comemorar e, acima de tudo, debater o acontecimento, motivado pelas Nações Unidas três anos depois do fim da II Guerra Mundial. No Brasil, não será diferente.

A Declaração é dividida em 30 artigos. São temas tão relevantes que justificariam inúmeras análises e discussões. Nesta primeira análise, aborda-se o que ainda está muito aquém do desejado em termos de cumprimento dos Direitos Humanos no Brasil. Na próxima, a ser publicada no dia do aniversário da Declaração, tentaremos ser mais otimistas e falar sobre as melhorias ocorridas nos últimos 60 anos em nosso país.

Já no primeiro artigo, a Declaração afirma que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos". Com um certo constrangimento, temos de reconhecer que as palavras da lei, com suas letras ou ideogramas, não têm qualquer sentido real: tivessem significado, não haveria crianças comendo nas latas de lixo. Quem nunca ouviu falar ou – pior ainda – talvez até não tenha sido vítima de preconceito racial, religioso, social ou sexual? Seguem alguns tristes episódios recentes que ilustram esta questão.

Neste segundo semestre um grupo de religiosos invadiu o Congresso Nacional protestando contra um projeto de lei que criminaliza a homofobia. Em São Paulo, um funcionário de uma grande montadora multinacional foi obrigado a ajuizar uma ação judicial contra a empresa por ter recebido uma mensagem virtual do chefe alegando que não perderia tempo com alguém "que veio da senzala e que está acostumado a chibatadas". A prostituição infantil assola o país a ponto de o governo federal ter de gerar campanhas contra esta ação. Dentre tantas outras situações das mais infelizes.

O artigo III da Declaração Universal também anda bastante ameaçado. Ele fala sobre o direito à vida, liberdade e segurança. Se não temos guerras e terrorismo ostensivo como em outras nações, temos visto, com abundância, tiroteios, chacinas, tráfico, seqüestros e violência. A situação de anomia e ausência do Estado nas favelas brasileiras muitas vezes incentiva a presença do tráfico de drogas. Quando se viaja ao exterior, percebe-se que normalmente as notícias publicadas sobre o Brasil retratam algum ato de violência urbana. Isso sem falar em excesso de presidiários compartilhando uma mesma cela, tortura nas prisões, falta de acesso a informações básicas sobre direitos e deveres, crianças abandonadas e medo, muito medo de ir e vir.

A Declaração assegura também, no artigo IV, a não-escravidão e a não-servidão. O resultado de boas ações policiais e das procuradorias do Trabalho são descobertas freqüentes de trabalho escravo em todos os cantos do Brasil. O pior é a servidão de crianças, tortura física e psicológica. Falta fiscalização e sobra impunidade.

Ao pensar em Direitos Humanos no Brasil, vêm à mente crianças nas ruas pedindo esmola ou se alimentando de lixo. Evoluímos nesses 60 anos? Sim. Mas ainda não o suficiente.

Roberto Portugal Bacellar é juiz, diretor da Escola da Magistratura do Paraná (Emap), integrante do Conselho Estadual de Direitos Humanos, ex-diretor de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros, professor e mestre em Direito pela PUCPR.

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