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Como ritual de passagem para a vida adulta em nossa sociedade, a escolha da profissão, não raro, constitui momento de angústia para pais e filhos. "Ser alguém na vida" tem se tornado sinônimo de profissional bem-sucedido, num alguém convertido basicamente em profissional, numa vida reduzida basicamente ao trabalho... Em meio a tantas tentadoras possibilidades, há que se escolher certo e rápido; afinal, se "tempo é dinheiro" e se errar deixou de ser humano (na condição de "super-homem" que tem nos sido exigida), qualquer falha no sistema, como a escolha "errada" da profissão, poderia ser fatal...

Falar de escolha num cenário que insiste em nos convencer de que não há escolha, dadas as crescentes taxas de desemprego e a escassez de oportunidades, pode parecer ingenuidade, visto que poucos serão os escolhidos. A experiência nos mostra porém que o reconhecimento das restrições impostas pelas transformações no mercado convive com o sonho de conquistar um lugar ao sol, pela via de uma ocupação satisfatória e sobretudo rentável, no imaginário de jovens pertencentes a diferentes classes sociais. De um lugar ou de outro, escolher é preciso: faço o que gosto ou aprendo a gostar do que faço – nem que seja na marra?

Convenhamos: em tempos de projetos de vida privatistas e consumistas, não surpreende o apego a certos mitos, como o do sucesso e do mercado de trabalho garantidos em determinadas profissões, desconsiderando-se que quem faz a profissão é o profissional – através de seu empenho, senso ético e disponibilidade em atualizar-se – e de que, ainda assim, a despeito do esforço e do talento individuais, o sucesso depende de uma série de fatores do contexto social e o que hoje parece promissor, não necessariamente o será amanhã!

Não nos iludamos, porém. Os jovens de hoje não estão desavisados. Se afirmam esses mitos em seus discursos, a ponto de imaginar a profissão como algo no qual têm de se "encaixar", é porque se dão conta de um certo paradoxo: o de que, malgrado a potencialização do "eu" propagada pelos discursos da "autogestão da carreira", esse mesmo "eu" parece contar cada vez menos. Conta sim a grandiosidade de sua aparência, numa pretensa relação de exterioridade instituída entre sujeito – profissão – mercado de trabalho. Como se fosse possível imaginar uma profissão desvinculada da pessoa que a pratica! Nessa perspectiva, não por acaso, crescem as estatísticas de depressão e de transtornos da conduta na infância e na adolescência. Como se não houvesse outra saída para o sujeito...

Se considerarmos que a escolha profissional vai além do o quê fazer, implicando o quem se quer ser, parece-nos que esse momento de crise possa representar uma saída, ou melhor, uma entrada para a subjetividade: escolher é marcar uma posição frente ao outro e a si mesmo, é escrever sua própria história, imprimindo sua marca nessa ordem social imaginada tão distante.

Como toda escolha, a da profissão também tem uma história e vários personagens: mais ou menos importantes, reais ou imaginados. Consciente ou inconscientemente, ao mesmo tempo em que nos constituem como pessoas únicas, tais personagens ajudam a compor nossas escolhas, nossa identidade profissional. Assim, nas relações que com eles estabelecemos (de identificação, oposição, superação, idealização), interesses são despertados, habilidades aprendidas ou aprimoradas, expectativas criadas, ideais e valores de vida configurados, imagens de si, do mundo, do futuro e do trabalho são constituídas...

A escolha profissional demanda uma boa dose de informação e de autoconhecimento. E, não obstante o coelho de Alice pareça ter saltado do livro, pronto a nos convencer de que estamos sempre atrasados, não há como ser diferente: escolher demanda tempo (interno sobretudo), pois implica crescer! E crescer requer o reconhecimento de que não se pode tudo, de que não há soluções mágicas, de que estaremos sempre sujeitos à revisão de nossas escolhas – seres errantes que somos, em busca de uma identidade sempre provisória – e de que, mesmo na profissão ideal, existem os tais "ossos do ofício"!

Em última instância, crescer é tornarmo-nos responsáveis por aquilo que cativamos, pelas escolhas que fazemos ou deixamos de fazer. E o não saber o que escolher, quando todos parecem ter feito suas apostas, não necessariamente constitui um desvio. Escolhemos, erramos, acertamos, re-escolhemos, temos dúvidas, sofremos. Faz parte. Somos humanos e não, máquinas de alta precisão. E, se "navegar é preciso, viver não é preciso", e, mesmo que tudo em volta pareça conspirar contra, por que não apostar que todos temos sim alguma escolha?

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