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Os resultados de preliminares de crescimento de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2005 devem recrudescer o debate acerca do significado, importância, magnitude e natureza da evolução da economia brasileira no ano passado. Por certo, haverá proliferação de defesas veementes da orientação macroeconômica da administração Lula, ao lado de críticas contundentes à sua postura curto prazista e pouco sensível às questões relacionadas à montagem de um projeto de longo prazo para o país.

Uma breve interpretação dos números do PIB oportuniza apreender um comportamento pífio, especialmente quando confrontado com a expansão média da população economicamente ativa (PEA), ao redor de 2,4% ao ano, e com a taxa de desemprego (conjuntural e estrutural) de cerca de 10,0% da PEA. De pronto, tal cotejo revela a incapacidade de a reativação produtiva em curso absorver sequer os entrantes ou candidatos a estreantes no mercado de trabalho ou mesmo iniciar o pagamento da dívida social, acumulada durante décadas pelo país.

Nesse ponto, convém considerar a natureza da expansão experimentada em 2005, desatrelada de movimentos expressivos na direção do aumento da oferta potencial do sistema econômico, pela via do investimento, e amparada na recuperação das variáveis consumo – por conta do aumento real do salário mínimo, da disseminação de programas assistencialistas, como a Bolsa-Família, e do alargamento da oferta de crédito consignado – e exportações, configurada especificamente no incremento do quantum das vendas externas de commodities agrícolas e minerais.

Logo, é fácil associar o PIB de 2005 a fenômenos conjunturais e transitórios, de fôlego limitado, que podem desaparecer de maneira tão rápida e surpreendente como emergiram, na hipótese de exaustão dos seus componentes de empuxe, marcada pela impulsão da inadimplência das famílias e/ou pela desaceleração do crescimento da economia mundial. A propósito desse último ponto, a performance brasileira no ano passado representou metade da registrada pelo conjunto da economia internacional e cerca de 1/3 do desempenho auferido pelas nações emergentes.

Em contrapartida, o crescimento de 2005 pode ser considerado razoável se for colocado em relevo o fato de a gestão econômica, centrada no tripé formado por metas de inflação, câmbio flutuante e saldos fiscais primários, buscar de forma intransigente a estabilidade de preços e assumir a expansão da economia como um subproduto do equilíbrio monetário e fiscal conquistado. Parcela relevante e respeitável do pensamento econômico brasileiro sinaliza que a performance econômica alcançada pelo país em 2004 e 2005 decorreu dos níveis de liquidez e de comércio mundiais, recordes das últimas três décadas.

Paradoxalmente, o setor produtivo brasileiro conseguiu tirar proveito da conjuntura internacional positiva, a despeito do elevado custo tributário e de capital, da enorme burocracia, da precária infra-estrutura, do câmbio apreciado e da ausência de políticas públicas dirigidas ao incentivo à inovação predominantes no país.

Todavia, no final de 2005, os exportadores começavam a contabilizar a perda de mercados relevantes, principalmente nas áreas de produtos manufaturados com maior valor agregado, elucidativa dos estragos provocados pela geração de uma relação câmbio/salários comprimida em uma economia inserida, para o bem ou para o mal, na globalização produtiva, comercial e financeira.

Na realidade, o cerne da política econômica vem sendo palco da construção de uma bomba relógio de efeito retardado, representada pela enorme transferência de renda dos agentes intermediários da pirâmide social (empresários e classe média) em favor dos ocupantes do pico, precisamente os intermediários financeiros, detentores de expressiva parcela dos papéis da dívida pública e pouco comprometidos com o financiamento do consumo, do giro e das inversões produtivas.

Em outros termos, ao arrecadar a maior carga tributária do planeta (se for levada em consideração a contrapartida na prestação de serviços públicos), aproximadamente 60,0% acima da capacidade de suporte da sociedade, conforme estimativas do mercado, essencialmente por intermédio da compressão da renda disponível dos empresários produtivos e das famílias de classe média, o governo abre flancos para, de um lado, priorizar a obtenção dos superávits fiscais primários, visando à cobertura parcial do serviço da dívida (a parte não quitada é incorporada aos estoques e fluxos passivos) e, de outro, prover a população de baixa renda de uma "cesta de sobrevivência", desvinculada de iniciativas mais convincentes e ou consistentes de inserção dessa categoria no mercado de trabalho.

Partindo do pressuposto de que a formulação e execução de políticas econômicas exigem decisões estratégicas, mirando a concretização dos objetivos com minimização dos custos sociais, em um ambiente de permanente conflito distributivo entre os agentes, é lícito admitir as reduzidas chances de criação de margens institucionais de crescimento econômico, por parte de um governo repleto de interesses e de demandas pontuais e desprovido de um programa politicamente negociado de transformações de longo alcance temporal.

Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE – Centro Universitário – FAE Business School.

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