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O poder absoluto é perigoso, pois os seus detentores, quando aclamados e apoiados cegamente pelas massas, passam a acreditar que são homens-deuses, e daí para a destruição das instituições é um passo

Os seres humanos são marcados, entre outras, pelas seguintes características: 1) a imperfeição; 2) as diferenças individuais; 3) o egoísmo; 4) o instinto de autodefesa; 5) o predomínio da emoção sobre a razão.

A humanidade enfrenta o desafio de montar um sistema social que, a despeito dessas características pessoais, seja capaz de promover o progresso material e a evolução moral dos indivíduos, sabendo estarem condenadas ao fracasso as fórmulas que, para dar certo, dependam do altruísmo e da bondade. O altruísmo (que é o desejo e a disposição para ajudar o próximo desinteressadamente) e a bondade (que é a ação de dar de si em benefício do outro, às vezes tirando de si próprio) são duas virtudes e são sensíveis a incentivos externos, mas não são propriamente abundantes na natureza humana.

A vida em sociedade exige cooperação e respeito ao semelhante, e isso requer um aparato capaz de administrar as regras de convivência entre pessoas com interesses diferentes, concorrentes entre si na busca por maximizar suas vantagens, mesmo à custa da diminuição das vantagens do outro. Na montagem de tal aparato social e na sua administração reside o papel principal do Estado, com seus poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e sua autorização para tributar, confiscar, processar, julgar, punir e prender. Para tanto, a sociedade aceita que o governo mantenha um braço armado com poder para reprimir as violações e manter a ordem (o sistema policial), e outro braço com poder de acusar, processar, julgar e condenar (o sistema judiciário).

Em artigo anterior, referi-me ao fato de que os poderes do Estado são desproporcionais à capacidade do indivíduo de reagir, mesmo quando este não apresente erro e/ou culpa. O meio de que dispõe a sociedade para evitar exorbitâncias, crueldades e injustiças é o Estado de Direito, de um lado, e a fixação de limites dos poderes do governo, de outro. Pelo Estado de Direito, o poder estatal deve ficar restrito aos limites da lei e ao devido processo legal, garantindo o amplo direito de defesa e a presunção de inocência diante da falta de provas. Pela limitação dos poderes do governo, impedem-se as ditaduras e os ditadores.

As normas de convivência social não são um capricho dos homens; são uma necessidade, pois os que tripulam o aparelho de Estado (políticos eleitos e funcionários concursados) não são anjos e padecem das mesmas marcas de personalidade, conforme dito no primeiro parágrafo. Em época de eleições, é normal os políticos apresentarem a si mesmos como homens dotados de virtudes especiais e elevado índice de altruísmo e bondade. Como peça de propaganda, nada há de errado nisso. Ingenuidade é o eleitor acreditar que os candidatos, por estarem na política, deixaram de ser imperfeitos e falíveis. Não há que se buscarem homens perfeitos; há que se buscar um sistema capaz de funcionar bem com homens imperfeitos.

O melhor formato que a humanidade encontrou, até hoje, para conciliar as incongruências é baseado em três pilares: a democracia política, o Estado de Direito e a economia de mercado. As ditaduras e as formas totalitárias negam esse formato, pois se fundam na crença em algum homem iluminado pairando acima das fraquezas humanas, capaz de promover a felicidade na Terra. Quanta ilusão!

O poder absoluto é perigoso, pois os seus detentores, quando aclamados e apoiados cegamente pelas massas, passam a acreditar que são homens-deuses, e daí para a destruição das instituições é um passo. As ditaduras de Hitler na Alemanha, de Stalin na União Soviética, de Franco na Espanha, de Pinochet no Chile e de Fidel em Cuba tiveram, todas elas, em boa parte do seu período de vigência, o apoio das massas anestesiadas pelo carisma e promessas do ditador. Como sempre, elas terminaram em agonia e fim melancólico, inclusive Cuba, que está nos seus estertores.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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