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A decisão do STF que considera a prática do nepotismo ofensiva aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade representou um importante passo para a moralização da administração pública, mas sua abrangência limitada está causando polêmica e perplexidade. Temos a palavra da Suprema Corte dizendo que o nepotismo ofende os princípios republicanos da moralidade, da impessoalidade e da igualdade, previstos nos artigos 5º e 37º da Constituição Federal. No entanto, o STF abriu uma perigosa porteira para que governadores, prefeitos e mesmo o presidente da república possam apadrinhar ou "nepotizar" parentes próximos.

É preciso ressaltar que a perniciosa prática de nomear parentes próximos para cargos de confiança, sempre esteve presente na vida política brasileira. Verifica-se que o nepotismo – que começou com a chegada dos portugueses a estas terras paradisíacas – alastrou-se durante o período colonial e encontra-se profundamente enraizado na cultura política da vida pública brasileira.

Dificilmente, vamos encontrar um município ou estado brasileiro em cuja administração não haja parentes próximos do mandatário exercendo cargos comissionados. No Legislativo, verifica-se que a situação é ainda mais nepótica e escandalosa. Com a decisão do STF, a proibição vale agora para todo país e para os três poderes em nível federal, estadual e municipal.

No entanto, houve uma frustração generalizada porque o STF avalizou o entendimento de que é legítima a nomeação de parentes próximos "para cargos políticos, exercidos por agentes políticos". Ou seja, na esfera da administração municipal, o prefeito pode nomear filhos, irmãos, cônjuges ou sobrinhos para exercer o cargo de secretário municipal. A mesma exceção vale para permitir que o presidente da República e os governadores possam nomear parentes para exercer a "função política" de ministros e secretários estaduais.

Sinalizando para uma contraditória hermenêutica daquela Corte de Justiça, o ministro Gilmar Mendes, procurou justificar a legitimidade dessa infeliz janela de nepotismo com o exemplo dos irmãos Kennedy. Parece que continuamos atrelados à velha e discutível filosofia tupiniquim de que "o que foi uma vez bom para os Estados Unidos, continua sendo bom também para o Brasil".

Creio que não há lógica jurídica em afirmar que os cargos de ministro e de secretário estadual ou municipal pressupõem que seus ocupantes gozem de um maior grau de confiança. Todos os comissionados, por ocuparem cargos e funções de livre escolha, devem gozar da estrita confiança da autoridade nomeante. No entanto, o que o interesse público exige e merece é competência e dedicação ao trabalho, virtudes dificilmente encontradas nos parentes próximos dos mandatários que os nomearam por puro instinto de sangue parental.

É profundamente lamentável que o STF tenha admitido essa perigosa exceção. Ficou assim: para a maioria dos cargos comissionados, a nomeação de parentes próximos estaá proibida por ofender os princípios da moralidade e da impessoalidade; no entanto, para os chamados cargos políticos, a nomeação de parentes é lícita e não ofende a esses dois princípios constitucionais tão importantes para a uma melhor condução da administração pública. Creio que a ação nepótica, em qualquer situação apresentada, tem a mesma natureza anti-ética e nociva.

Com a exótica hermenêutica tendo prevalecido, haveremos de conviver com perniciosos clãs encastelados nas administrações estaduais e municipais e, quem sabe, federal. Todos respaldados por essa contraditória hermenêutica sumular da Suprema Corte. Prefeitos e governadores deste país, agora confortados por esse entendimento jurisprudencial, manterão seus parentes na elevada função comissionada de secretários municipais ou estaduais.

O pior já está acontecendo: alguns mandatários estão criando novas secretarias e promovendo seus familiares para integrar o primeiro escalão de suas respetivas administrações. O governador Roberto Requião largou na frente. Foi um dos primeiros a cruzar a porteira aberta pelo STF para promover sua esposa e um irmão aos elevados cargos de secretários estaduais. Em todo o estado do Paraná não haveria cidadãos mais capacitados para o exercício dessas importantes funções públicas?

Se essa esdrúxula exceção à regra de nomeação de parentes para cargos e funções em comissão não for vedada pelos tribunais, principalmente pelo STF, estaremos consolidando uma forma mais selecionada, sofisticada e elitizada de nepotismo. É o que poderá ser chamado de nepotismo top.

João José Leal é ex-procurador-geral de Justiça de Santa Catarina e promotor de Justiça aposentado. É professor do Curso de Pós-Graduação em Ciência Jurídica da Univali.

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