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Os ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acertaram no último dia 12 de setembro, ao buscar mais segurança jurídica e decidir que o Sistema Único de Saúde (SUS) não tem a obrigação de oferecer gratuitamente medicamentos off label, aqueles não regulamentados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A corte avaliou embargos de declaração do estado do Rio de Janeiro e alterou decisão relacionada ao tema, em que o trecho “existência de registro na Anvisa” acabou por ser substituído por “existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência”.

É antigo o debate entre liberar ao máximo o acesso a medicamentos gratuitos para pacientes – que cultivam esperança em obter uma cura ou melhora de vida – e entre imprimir maior racionalidade e consistência a processos dessa natureza, mediante requisitos que, em teoria, valem para todos. Foi este segundo caminho que o tribunal buscou trilhar.

É preciso, em um primeiro momento, entender o que ocorreu. De acordo com o relator do recurso, ministro Benedito Gonçalves, o fornecimento gratuito desses medicamentos não autorizados pela agência não foi proibido. O STJ decidiu apenas que ele não é obrigatório. Embora isso pareça um obstáculo aos enfermos que busquem beneficiar suas vidas com medicamentos sem eficácia comprovada por estudos, a decisão do STJ estabelece que, de acordo com a lei processual vigente, devem ser observados pelos magistrados das instâncias inferiores requisitos para a distribuição gratuita pelo SUS.

Pessoas portadoras de doença grave comprovada em juízo ainda têm prioridade na tramitação de sua ação judicial

Assim, o que os enfermos que estão em busca destes medicamentos devem fazer? Eles ainda deverão buscar os tribunais, como segue ocorrendo mesmo após outra decisão recente da Primeira Turma do STJ. A corte já havia definido requisitos para a obtenção de medicamentos gratuitos pelo SUS – entre eles, o registro na Anvisa. O que ocorre é que os juízes não são obrigados a seguir a decisão do STJ, embora a lei processual civil em vigor determine que os tribunais devem uniformizar a sua jurisprudência para mantê-la estável, íntegra e coerente.

De acordo com a legislação vigente, pessoas portadoras de doença grave comprovada em juízo ainda têm prioridade na tramitação de sua ação judicial, ou seja, têm preferência na apreciação do seu pedido de acesso a tais medicamentos. Essas pessoas também poderão seguir recorrendo a possíveis soluções medicinais não aprovadas ainda pela Anvisa.

A decisão do STJ gera contrariedade ao ser entendida como uma perda de direitos que, na verdade, seguem garantidos em caráter excepcional e via Poder Judiciário. A mudança que o tribunal provoca, a partir de agora, além de garantir segurança jurídica com novas regras, é minimizar os impactos financeiro e numérico de tais processos para o poder público.

Leia também: O dilema moral dos medicamentos de alto custo no STF (artigo de William Koga, publicado em 1.º de abril de 2018)

Leia também: Judicialização da saúde: questão de sobrevivência para pacientes (artigo de Paula Menezes, publicado em 1.º de novembro de 2017)

É preciso entender que a intervenção judiciária em políticas públicas – mais especificamente, no caso, na proteção e promoção da saúde – é necessária, apesar de ser um tema bastante delicado e controverso, seja em termos acadêmicos, de governança e de sistema judiciário. Nesse sentido, e não obstante eventuais críticas aos requisitos que estabeleceu, não se pode negar que a decisão do STJ visa, de um lado, a balizar melhor, com parâmetros mais seguros e racionais, quando o Estado pode ser compelido pelo Poder Judiciário a fornecer gratuitamente medicamentos não registrados na Anvisa. E, de outro lado, a possibilitar que o poder público, sobretudo o Executivo, promova ajustes no sistema de saúde brasileiro e o planeje de forma mais adequada e eficiente às exigências sociais inerentes ao tema da judicialização da saúde.

Outra consequência da recente decisão é uma provável redução das decisões judiciais autorizando a distribuição gratuita de medicamentos off label, ainda que isso não signifique que os pedidos na Justiça devam diminuir. A Anvisa seguirá firme ao não permitir a utilização de medicamentos em que não há eficácia comprovada por meio de estudos; e os enfermos, apesar desta falta de comprovação, seguirão tentando soluções que possam beneficiar as suas vidas. Na falta de uma jurisprudência que encerre essa questão, por sua vez, deve continuar sendo o dever do Judiciário decidir, caso a caso, se o acesso a esses medicamentos específicos irá prevalecer ou não.

Gustavo Milaré é advogado, mestre e doutor em Direito Processual Civil.
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