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Existem condições comuns que favorecem a indução ao erro e ao fenômeno intitulado de "falsa confiança" ou falsa certeza, que ocorre quando a testemunha tem certeza de sua afirmação e, na verdade, ela é falsa

Na semana passada a imprensa divulgou que o coronel do Corpo de Bombeiros suspeito de ser o autor de nove homicídios passou por alguns reconhecimentos que o apontaram como autor dos delitos. Mesmo sendo perfilado com outras pessoas de aparência física semelhante e tendo sido reconhecido, há ao menos duas variáveis importantes que podem ter influenciado as testemunhas.

Primeiramente as testemunhas podem lembrar-se do coronel do momento em que foram atacadas ou presenciaram os ataques, contudo também podem lembrar-se dele das várias reportagens em que a imagem dele fora mostrada associando seu nome e imagem aos eventos ocorridos. Essa alteração da origem das lembranças é conhecida na Psicologia do Testemunho como erro de monitoramento da fonte. A segunda variável é que tendemos a reconhecer alguém, em um perfilamento de suspeitos, mesmo quando o ofensor não estiver presente, já que sempre existirá alguém parecido com o referido ofensor e isso acarreta uma confusão no processo de reconhecimento feito pela memória desse indivíduo, segundo Gary Wells, psicólogo da Universidade de Iwoa, nos Estados Unidos, e pesquisador do tema há mais de 20 anos.

Infelizmente, as condenações têm, em muitos casos, a ênfase na prova testemunhal em detrimento de outras provas ou, até mesmo, na total ausência dessas. O psicólogo e pesquisador Michael Eysenck informa que há situações em que o testemunho é a única prova que condena o réu, dependendo preponderantemente do depoimento de uma testemunha ocular. Uma pesquisa meticulosa de julgamentos na Inglaterra e no País de Gales revelou que mais de 200 procedimentos de reconhecimentos de suspeitos enfileirados foram realizados no período de um ano. O resultado da pesquisa mostra que em mais de 350 casos a testemunha ocular foi a única evidência de culpa. A compaixão pela vítima, indignação pelos agressores, sensação de que alguém tem de ser trazido à Justiça e o cansaço são algumas das variáveis que podem influenciar as decisões de jurados, segundo o autor.

O testemunho reflete nossa memória e esta não traduz com fidedignidade os acontecimentos que vivenciamos. Ao nos lembrarmos de um determinado evento, reconstruímos o acontecimento, e este é influenciado por informações e experiências vividas antes e após esse evento. No cotidiano esse fenômeno se traduz por pequenas confusões que muitas vezes não têm maiores consequências, contudo, quando falamos da prova em um Processo Penal e o uso da memória (testemunho) como elemento principal de condenação, expomos um elemento frágil que, em muitos países (Canadá, Estados Unidos, Inglaterra, entre outros) já é visto com extrema reserva. Esse processo mnemônico é conhecido como Falsas Memórias, que são lembranças de fatos que, na realidade, não aconteceram ou não aconteceram da forma lembrada. É um fenômeno absolutamente normal que não se confunde com mentira, patologia ou tentativas de manipulação e tende a aumentar conforme ficamos mais velhos.

Existem condições comuns que favorecem a indução ao erro e ao fenômeno intitulado de "falsa confiança" ou falsa certeza, que ocorre quando a testemunha tem certeza de sua afirmação e, na verdade, ela é falsa. A precisão entre o reconhecimento e o real ofensor está na faixa dos 40%. O que tem sido feito, segundo Wells, é que se tem usado a confiança – ou certeza – da testemunha para inferir precisão. Muitas pesquisas mostram que as testemunhas que mais erram no reconhecimento são aquelas que o fazem de forma mais enfática ou dramática.

Não sabemos qual a responsabilidade do coronel em relação à série de homicídios, contudo, se de fato existem elementos para sua condenação, estes devem ir além da prova testemunhal.

Rodrigo Soares Santos, psicólogo forense, é mestre em avaliação psicológica e professor de Psicologia Forense do curso de Direito da Universidade Positivo. Email:psicologiajuridica@terra.com.br

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