• Carregando...
O presidente e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, juram de pés juntos que não estão furando o teto com o novo Auxílio Brasil.
O presidente e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, juram de pés juntos que não estão furando o teto com o novo Auxílio Brasil.| Foto: Marcos Correa

É lamentável que o governo federal opte por burlar o teto de gastos para custear um programa social, em vez de fazer a lição de casa e abrir espaço no orçamento para ajudar quem ficou para trás em meio à crise e foi impedido de trabalhar em função de medidas restritivas às atividades econômicas. Produzir as reformas necessárias para garantir sustentabilidade fiscal, com enxugamento de gastos e redução da máquina pública, é uma tarefa árdua, é verdade, mas que garante resultados ao mesmo passo em que se mantém o compromisso com as contas públicas. Em sentido oposto, ferir de morte um instrumento que é um grande avanço orçamentário recente como o teto de gastos mostra uma queda ao populismo econômico para segurar níveis de avaliação do governo de modo a chegar competitivo em 2022, contrariando o discurso que o elegeu em 2018.

O orçamento é a principal ferramenta da gestão pública. É lá que se determina o tamanho do Estado, o que ele vai fazer ou delegar para a iniciativa privada. O teto de gastos foi criado para fazer uma contenção do gasto primário e, portanto, redução do tamanho da carga tributária subtraída dos pagadores de impostos a partir do controle do que a máquina consome. Trata-se de uma redução gradual da parcela que o governo retira da mesa do pagador de impostos. Esta é a melhor forma de fazer com que se diminua os quase 40% que o governo pesa no ombro do cidadão.

Mudar a regra do teto de gastos não deveria ser uma opção viável, nem sequer cogitada. Porém, essa carta foi acionada para abrir R$ 83,6 milhões em despesas adicionais e viabilizar os R$ 400 pretendidos por Jair Bolsonaro aos beneficiários do novo Auxílio Brasil, um Bolsa Família reformulado e ampliado. O presidente e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, juram de pés juntos que não estão furando o teto. Agora, não dizem nada sobre tornar a cobertura maleável ao sabor do momento. O fato lembra a célebre reportagem de Silio Boccanera para a Globo. De cima do Muro de Berlim, no dia em que ele foi aberto para os alemães orientais pelo regime comunista, o jornalista brasileiro fez uma passagem primorosa, na qual narrou que “o Muro de Berlim, em si, ainda está aqui, mas em espírito ele já caiu”. É a mesma situação agora, com o teto de gastos: como regra, ele ainda existe, mas seu valoroso princípio foi derrubado.

Uma baliza com limite para trabalhar com recursos dos pagadores de impostos deveria ser óbvio a todos. Assim como na nossa contabilidade pessoal, o governo não deve gastar mais do que arrecada. A regra vigente determina que as despesas públicas não cresçam acima da inflação ano a ano. Porém, o governo quer fazer uma malandragem para mudar o recorte temporal na correção pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Nas palavras de Paulo Guedes, uma “licença para gastar”, mas que, na prática, é uma “uma licença para matar” o pilar do compromisso fiscal e soltar as rédeas para a gastança antes de uma eleição difícil para o residente do Planalto.

Politicamente é mais fácil aumentar despesas e repassar o fardo para o futuro, de olho nos dividendos do presente, do que operar cortes e fazer o trabalho de base, representado pela diminuição e reordenamento do Estado para onde é necessário. Limitar o seu tamanho é otimizar o seu orçamento. De frente com esse imperativo, a maioria dos políticos dá de ombros e corresponde ao que diz o economista e filósofo americano Thomas Sowell: “A escassez é a primeira lei da economia. A primeira lei da política é ignorar a primeira lei da economia”.

A instituição do teto de gastos ocorreu a duras penas, e só foi viabilizada após o desastre nas contas públicas promovido por Dilma Rousseff (PT), com seu desenvolvimento e populismo econômico. Com essa garantia e a proposição de um conjunto de reformas, como a da Previdência Social e a PEC Emergencial, o Brasil encontrou um caminho de estabilidade econômica. Pena que foi por curto tempo, e não resistiu à pandemia de coronavírus e às tempestades políticas de Brasília. Em 2020, com a Covid-19, o teto de gastos foi driblado por um conjunto de ações emergenciais de expansão de gastos. Em 2021, véspera do ano eleitoral, saindo da crise da pandemia, o Brasil debruça-se sobre a necessidade de fornecer auxílio para a camada mais pobre, afetada pelo “fecha tudo” que desorganizou a produção e, aliado às medidas monetárias, trouxe de volta a inflação.

Não é de se descartar que haja a necessidade de algum suporte para quem foi impedido pelos governos de trabalhar ou viu seu poder de compra reduzido com o fenômeno da inflação que vemos no país e em todo o mundo. Mas para tal deve-se fazer cortes em outras áreas, respeitando o teto. Os privilégios da elite do funcionalismo público, por exemplo: está caindo de maduro uma revisão com lupa em uma reforma administrativa ampla e efetiva, que poderia trazer recursos mal investidos pelo próprio setor público, assim como a privatização de estatais como a Petrobras e os bancos públicos. Os recursos extras financiariam gastos extras da crise da pandemia.

A estabilidade fiscal e as reformas oxigenam o ambiente econômico, com aumento de produtividade e geração de emprego e renda. Como defendia o ex-presidente americano Ronald Reagan, são os empregos o melhor programa social. Alguns países tentaram alternativas heterodoxas populistas, como a irresponsabilidade com os gastos, o controle de preços e a aversão às reformas. É o caso da Argentina, por exemplo. Não queremos este desastre para o Brasil. O mercado já deu o recado caso o fura-teto prospere.

Por falar na Argentina, é bom lembrar que a falta de reformas, descontrole de gastos e a inflação tiraram de seu presidente alinhado à direita, Mauricio Macri, a capacidade de se reeleger. Parte da sua campanha insuficiente deu-se pelo abandono da agenda de reformas que o elegeu para o primeiro mandato e da intervenção na economia que ele acabou promovendo ao fim do seu governo, utilizando dos dispositivos que criticava na sua antecessora Cristina Kirchner, que acabou sucedendo-o como vice-presidente da república hermana.

Devolver a previsibilidade para a economia, reduzindo as tensões internas (turbulência política e fiscal), faria com que o real se valorizasse, reduzindo a pressão sobre os produtos que têm cotação em dólar ou são diretamente influenciados pela moeda americana.

Passar a mensagem de sustentabilidade do caixa da União: essa, sim, é a fórmula adequada, com resultados duradouros – política e economicamente estáveis – para que o Brasil saia das cordas. Nada de assistencialismo com fontes duvidosas e “contabilidade criativa”. O governo que fizer esses movimentos de modo satisfatório certamente terá o reconhecimento dos investidores, do mercado financeiro, dos agentes políticos e da população. Pode não vir logo, pois algumas medidas não são tão compreensíveis e até contramajoritárias ao cidadão comum, alheio a discussões técnicas. Mas o público certamente compreenderá quando os reflexos positivos chegarem na forma de emprego e renda, aumento do poder de compra e melhores condições de vida. Fazer o que a esquerda não faria é a maneira de evitar que ela retorne. Fica a dica.

Douglas Sandri, graduado em Engenharia Elétrica, é presidente do Instituto de Formação de Líderes (IFL) de Brasília e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]