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General Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército. Imagem ilustrativa.
General Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército. Imagem ilustrativa.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Durante os dias que correm aflorou nos meios de comunicação uma realçada polêmica decorrente da publicação do livro General Villas Boas: Conversa com o comandante, organizado por Celso Castro. Houve pronunciamentos de militares, de juízes, de articulistas de jornais, de políticos, de comentaristas da televisão e do próprio general.

A marcante discussão teve por objeto um tuíte do referido oficial postado em abril de 2018, no momento em que a magna corte da Justiça se preparava para julgar um habeas corpus que poderia favorecer o ex-presidente Lula. O relevo do debate emergiu por causa de uma novidade surgida na obra, a qual apontou que a mensagem divulgada não decorreu de uma ação individual, mas foi consequência de um ato coletivo, ou seja, da cúpula do Exército, e que seu conteúdo inicial era mais severo.

O texto em questão foi assim escrito: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais? Asseguro à nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões constitucionais”.

Vários comentários apareceram de imediato. Eis alguns deles: Um comentarista disse ter errado em acreditar “que as Forças Armadas brasileiras haviam se profissionalizado, abandonando de vez a ingerência política”. Para outro, o general “confessa que o topo da hierarquia do Exército tramou para afrontar a mais alta corte do Judiciário brasileiro”. A participação “de membros do Alto-Comando do Exército” e o aspecto mais rigoroso da mensagem não denotam “pendores golpistas”, para um terceiro. E assim seguem os comentaristas, para quem o general “é o responsável por reintroduzir a prática dos militares tomarem partido em disputas políticas, opinarem e intervirem nos rumos do país”; se Villas Boas “pretendeu reforçar a ideia de que as Forças Armadas não se metem em assuntos políticos, conseguiu exatamente o contrário”. Por fim, um outro considera que “ele ajudou a preservar o tribunal e, por consequência, a democracia”.

Um exame desses comentários revela que seus autores não viram nenhuma intenção golpista por parte do general. Apesar desse indubitável consenso, fica evidente que houve um desejo de realizar uma ingerência de cunho político diferente das antidemocráticas que ocorreram no passado, isto é, o exercício do poder moderador e uso do golpe. Talvez este novo procedimento, inadequado à democracia, possa ser alcunhado de ação persuasiva. Ressalte-se que o tuíte expôs o domínio dos preceitos sobre operações psicológicas por parte do referido general.

Observe-se, entretanto, que a citada mensagem não contribuiu para o fortalecimento do regime democrático, que valoriza o princípio da transparência e a ação comunicativa clara, objetiva e isenta de subentendidos. De fato, tal nota apresenta um aspecto esfíngico que aparece nas frases “nessa situação em que vive o Brasil” e o “Exército Brasileiro se mantém atento às suas missões constitucionais”. Ademais, pelo seu caráter simbólico, ela é capaz de disparar o imaginário coletivo, ativar as reminiscências enjeitáveis que se encontram adormecidas na subjetividade, consequentes do passado político nacional.

A finalidade da nota em pauta autoriza supor que ocorreu uma formulação baseada no pensamento pragmático consequencialista vigente na caserna. Outrossim, vale lembrar que ela aflorou no âmbito de uma conjuntura específica formada pelo término dos trabalhos da Comissão da Verdade, que não agradou aos servidores fardados; pela proximidade da eleição presidencial, em que os militares optaram majoritariamente pela candidatura de Bolsonaro; pelo andamento da Operação Lava Jato, que expôs diariamente a criminalização da política; e, principalmente, pelo ostensivo anseio das elites políticas e econômicas em se livrarem do petismo.

Embora a ação persuasiva possa ser classificada como uma ocorrência com grau de gravidade questionável, isto não dispensa sua compreensão. Assim sendo, parece ser possível interpretá-la em função das particularidades de um determinado grupo de militares. Com efeito, é viável supor a existência de integrantes da caserna que ainda não se despojaram do sentimento de superioridade, que continuam valorizando a ampla autonomia das instituições bélicas e que persistem reverenciando a tutela sobre o Estado. Portanto, tende a ser válido entender que seguem existindo funcionários fardados comprometidos com o regime democrático de maneira condicionada.

Recentemente, um ministro do Supremo Tribunal Federal disse que seu colega da Defesa lhe pediu para “não deixar criar uma crise nisso” porquanto, segundo ele, se tratou de uma “declaração isolada do ministro Villas Boas” e que “não há nenhuma concordância das Forças Armadas em relação a pressão sobre o Supremo”. Embora seja aceitável atender tal solicitação, é imprescindível deixar claro que esta indesejável ocorrência indica a existência de dificuldades nas relações civil-militares que precisam ser superadas, bem como mostra a necessidade de se fazer um reexame do tema relativo ao controle democrático das Forças Armadas.

Antonio Carlos Will Ludwig é professor aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em Educação e autor de “Democracia e Ensino Militar” e “A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania”.

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