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O logotipo da GameStop é visto acima da loja em Culver City, Califórnia, em 28 de janeiro de 2021.
O logotipo da GameStop é visto acima da loja em Culver City, Califórnia, em 28 de janeiro de 2021.| Foto: Chris DELMAS / AFP

Os jornais noticiaram o intenso movimento de investidores na Bolsa de Nova York que adquiriram ações da empresa Gamestop, uma tradicional revendedora de jogos que enfrenta dificuldades de manutenção do modelo de funcionamento de sua operação baseada em lojas físicas, diante das alternativas de venda ao varejo proporcionadas pelas plataformas digitais.

Segundo foi apurado, os investidores, aparentemente acreditando salvar a empresa do declínio econômico, combinaram, em um fórum de discussão on-line, que em um determinado dia e horário comprariam ações da Gamestop. O movimento coordenado fez com que as ações da companhia americana se valorizassem em mais de 1.800% e seu valor de mercado fosse elevado de US$ 1,3 bilhão no fim de 2020 para US$ 22,5 bilhões no fechamento de 27 de janeiro de 2021. O fenômeno, batizado de short squeeze, desafiou a compreensão dos analistas de mercado que não conseguiram assimilar a forte alta das ações e o interesse de investidores em uma empresa que, aos olhos do mercado, está ficando ultrapassada no seu modelo de negócios.

A notícia seria apenas mais uma daquelas histórias curiosas dos mercados internacionais, não fosse o fato de que, poucos dias depois, houve a convocação, por meio de aplicativo de mensagens, de um short squeeze com ações de uma companhia brasileira negociadas na B3.

O motivo para a convocação do movimento no Brasil seria uma reação de investidores pessoas físicas contra o que se alega ser a atuação ostensiva de players do mercado em posições vendidas das ações da empresa. Em outras palavras, a ação de alguns investidores, ao sempre direcionarem suas ordens de negociação para a venda das ações da empresa brasileira, impediriam que o mercado pudesse ajustar o preço das ações e permitir a recuperação dos seus ganhos.

Longe de constituir recomendação de compra, com análise qualificada elaborada por profissional credenciado junto à CVM, o movimento apelou para o inconsciente de investidores em uma espécie de ativismo com inspiração em Davi versus Golias.

Além de muitos memes e comentários, o short squeeze tupiniquim levou à valorização em 17% das ações da companhia brasileira, muito diferente do patamar alcançado pela Gamestop, por diversos motivos inerentes aos mercados brasileiro e norte-americano.

O problema que esse tipo de movimento gera no mercado, à luz da regulação brasileira, é a clara intenção de se criar um movimento artificial com a finalidade de alterar a cotação do valor mobiliário. Esse tipo de conduta é passível de enquadramento como manipulação de preços no mercado de valores mobiliários, tipificada como ilícito contra o mercado de capitais na Instrução CVM 8/79, além do correspondente crime, previsto no artigo 27-C da Lei 6.385/76 (Lei do Mercado de Valores Mobiliários).

Por mais que possa ser instigante a ideia de desafiar grandes players institucionais do mercado e medir forças, não se sabe quais são as verdadeiras intenções e os verdadeiros patrocinadores desse tipo de iniciativa. Apenas de forma ilustrativa, não seria absurdo pensar que o movimento poderia ter sido concebido ou apoiado por pessoas que são acionistas da empresa brasileira e não conseguem perceber variações positivas no preço das suas ações.

Ao patrocinar, instigar ou participar de um movimento de short squeeze, o pretenso investidor conseguiria construir uma saída mais vantajosa, obtendo significativos ganhos ou reduzindo as perdas do custo de oportunidade do dinheiro investido em ações que não se valorizaram em comparação com outras modalidades de investimento.

Para aqueles que possam cogitar que o movimento pudesse de alguma forma ser positivo para a empresa que experimenta a rápida valorização, alerta-se que esse tipo de raciocínio é tão curto quanto a espremida nas ações. Companhias que abrem seu capital na bolsa de valores buscam relacionamentos de longo prazo com seus acionistas, fundado na construção de valor para a companhia e, em consequência, para o conjunto de seus acionistas.

A criação de movimentos altamente especulativos nas ações de uma companhia põe esses ativos na lista de investimentos voltados à especulação e não à geração de valor. Investimentos especulativos afastam investidores que buscam estabilidade para aportar suas economias, ficam à margem dos movimentos naturais de valorização do mercado e geram dúvidas sobre a capacidade da administração da companhia em conduzir seus negócios de maneira sustentável.

Sobre o episódio brasileiro, a Comissão de Valores Mobiliários se posicionou publicamente por meio de um alerta ao mercado informando que “tem monitorado os movimentos no mercado e as comunicações nas redes sociais, sendo que, na presença de indícios e conforme exige a lei, cuidará da instauração do competente processo administrativo sancionador para a apuração das responsabilidades, bem como comunicação ao Ministério Público Federal para a devida atuação na esfera penal”.

A predominância das redes sociais como diretoras de fluxos de informações e movimentos sociais tem um lado muito positivo no sentido de educar e engajar investidores, especialmente quando considerado o expressivo número de novos investidores pessoas físicas que ingressaram na bolsa somente no último ano. No entanto, o mau uso das redes, assim como em outras searas, começa a trazer riscos também para o funcionamento regular do mercado de capitais. Cabe ao regulador e às companhias se preocuparem e tomarem medidas tempestivas para dar clareza sobre de que lado estão, para preservar suas imagens públicas e o valor gerado aos seus acionistas.

Fernanda Montorfano é advogada com atuação em operações de M&A, ofertas públicas de aquisição de ações e restruturação societária envolvendo companhias abertas, e é membro da Comissão de Mercado de Capitais da OAB/RJ. Yuri Sahione é advogado com especialização em Crimes Econômicos e em Direito e Processo Penal, mestre em Direito Penal, presidente da Comissão de Compliance do Conselho Federal da OAB e professor em cursos de pós-graduação em Direito Penal e Compliance.

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