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Presidente Jair Bolsonaro
O presidente da República, Jair Bolsonaro| Foto: Sérgio Lima/AFP

A política brasileira tem o mau hábito de renovar-se no vício. Tanto é verdade que o poeta já disse que via o futuro repetir o passado. Faz sentido. Após uma eleição supostamente de ruptura, vemos os conselhos de Michel Temer virarem livro de cabeceira do presidente Bolsonaro. Antes chegaram Roberto Jefferson e o trenzinho do Centrão. Agora, é a vez de o velho MDB de guerra desembarcar suas tropas nos jardins do Planalto. Pobre povo brasileiro que, reiteradamente, vê suas esperanças se frustrarem.

Infelizmente, o discurso político recorrente trabalha com a riqueza do imaginário popular para, ao fim e ao cabo, entregar uma realidade triste. Em página singular, a sabedoria de Orwell fez exaltar: “political language is designed to make lies sound truthful and murder respectable, and to give an appearance of solidity to pure wind”. Aliás, em uma democracia séria, as promessas de campanha deveriam ser vinculantes e, uma vez descumpridas, causa de inelegibilidade automática. Mas será possível uma política sem mentiras e falsidades?

Enquanto a resposta não chega, temos de seguir adiante. A vida não para, ainda mais em um momento histórico de transformações galopantes. Do trabalho humano à arquitetura geopolítica mundial, vemos o surgir de novas lógicas, novos players e infinitas oportunidades de impacto. O desafio é sermos capazes de navegar com êxito nesta remodelada macroestrutura de poder que requer tomada de decisões rápidas, um conhecimento poliédrico e ágil adaptabilidade num tabuleiro de peças freneticamente dinâmicas.

Ora, é sabido e ressabido que problemas complexos não se resolvem mostrando caixinhas de remédios para emas. Sim, as torcidas de auditório adoram tal tipo de encenação teatral, mas a dignidade da democracia exige respeito às pessoas e às instituições. Na dúvida, é sempre melhor privilegiar o silêncio, pois a fala de autoridade jamais pode ser a exteriorização pública da ignorância.

Mas sempre há aqueles que não se deixam enganar. O pedido de demissão dos secretários Salim Mattar e Paulo Uebel joga luzes sobre um corpo político opaco. Insatisfeitos com os rumos do governo, optaram por abandonar um barco que, em vez de navegar para a frente, preferiu ficar à deriva dos jogos de sempre. O ímpeto da mudança cedeu ao raso pragmatismo do poder. Lamentável, mas esperado.

Nosso problema político é estrutural, dizendo respeito às razões de ser do sistema democrático. Sem cortinas, muitas instituições, em vez de servir à República, criaram vida e interesses próprios. E como o interesse público é fluido e difuso, tais legiões egocêntricas bloqueiam e dificultam toda melhora coletiva que acarrete a fragilização dos privilégios. Ou seja, o cérebro da democracia não mais governa os braços e pernas institucionais, resultando, assim, um corpo inorgânico e absolutamente disfuncional.

A questão é que tais anomalias são flagrantemente insustentáveis. E o mais grave: o fosso das contas públicas implodiu com os gastos emergenciais relacionados à Covid-19. Para conter a sangria do déficit orçamentário, vemos novamente o apelo fácil a uma apelidada “reforma tributária” que, diante do caos governamental, resultará novamente em ferro para o contribuinte. Aqui chegando, não me venham com desculpas, esfarrapadas ou sofisticadas, pois a verdade da palavra não é uma marionete das circunstâncias.

Objetivamente, a reforma realmente vencedora será, por imperativo lógico, combinar a equação de receitas e despesas, revitalizando o falido federalismo brasileiro. Querer antecipar mudanças tributárias às necessárias transformações administrativas, além de um erro, será insistir na fórmula que só beneficia os burocratas de plantão. Em tempo, importante exaltar que a tecnologia é justamente a antítese da burocracia; a inteligência humana, cansada com a ineficiência e seus nefastos canais de corrupção, rompeu o padrão vigente criando soluções infinitamente mais ágeis, fáceis e responsivas ao mecanicismo burocrata estatal. Logo, não adianta querer manter o que já se foi, por melhores que sejam as intenções.

Incompreensivelmente, o mundo muda, mas o Brasil segue o mesmo. Velho, deletério, patético. Nosso povo quer e merece mais. Não podemos continuar a investir na marcha do atraso. Ainda há tempo. Pois, por maior que seja a escuridão da noite, sempre haverá algum tipo de amanhecer de luz. Basta sermos sérios e fazermos o que certo é.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium

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