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Confesso: o nome El Chapo não me diz nada. Ele é um traficante mexicano, um dos homens mais procurados e ricos do mundo, dono do Cartel de Sinaloa e muito mais... Joaquín Guzmán já me é familiar. Seu nome sempre me remeteu ao líder do grupo Sendero Luminoso Abimael Guzmán – que foi literalmente enjaulado em praça pública, nos anos 90, no Peru.

Soube por uma ex-aluna, Kelen Vanzin, da fuga impressionante do traficante mexicano por um túnel feito em uma prisão de segurança máxima. A passagem de El Chapo tem 1,5 quilômetros e, para ser cavada, certamente contou com a ajuda de funcionários da própria prisão mexicana. Kelen contou que a mesma reportagem que tratava do caso mostrava as operações de lavagem de dinheiro feitas por uma renomada instituição financeira britânica: o banco HSBC, tão comentado nos últimos meses pelo impacto social e tributário que causará em Curitiba com seu fechamento no Brasil. A ligação de El Chapo com o HSBC parece dar indícios dos motivos que fizeram o banco escolher o México para manter um pé na América Latina. Afinal, como a própria diretoria do HSBC argumenta, os mexicanos contam com uma economia muito mais aberta que a dos brasileiros.

Bem, a abertura benevolente é tanta que a ligação de grandes bancos e instituições financeiras (Wells Fargo, Bank of America, Citigroup, American Express, Western Union) com o narcotráfico não é uma novidade. Traficantes utilizam os bancos para movimentar quantias astronômicas. Calcula-se que US$ 30 bilhões em cash são movimentados mensalmente na fronteira México-EUA. O tradicional banco Wachovia, fundado em 1879 – sexto maior banco dos EUA e que durante a crise de 2008 foi adquirido pelo Wells Fargo –, foi acusado, em 2010, de ter processado US$ 378 bilhões, mas obtido lucro de “apenas” US$ 12 bilhões. Este caso foi investigado pelo procurador federal dos EUA Jeffrey Sloman e despertou o interesse das autoridades governamentais pelas evidências de lavagem de dinheiro. Sobre este caso, o jornalista David Brooks, do periódico La Jornada, escreveu: “Se não se vê correlação entre a lavagem de dinheiro pelos bancos e as 22 mil pessoas assassinadas no México, não se entende o que está em jogo”. Tais fatos são reafirmados pela declaração de Antônio Maria Costa, diretor do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).

Essas revelações perigosas se contrastam com a política de “Guerra às Drogas”, tão aplaudida pelos “amigos” financistas da Casa Branca.

Até hoje a Guerra às Drogas só favoreceu o grande capital, penalizou povos pobres e jamais reduziu o consumo de entorpecentes

Nos anos 60, no mesmo momento em que os movimentos libertários usavam drogas como forma de “expansão da mente”, para vários grupos de esquerda as drogas eram instrumentos do capitalismo para aliciar os jovens do terceiro mundo. A humanidade consome drogas milenarmente – consumo vinculado a práticas culturais e ritos religiosos. Mas um dia descobriu-se a rentabilidade das drogas, principalmente depois da segunda metade do século 20. Seus efeitos foram apropriados por empresários. A evolução liberal – adjetivo usado aqui no sentido de liberdade econômica –, com sua política coerente, facilitou a livre circulação dessas substâncias. O narcotráfico, portanto, não é, nesse contexto, considerado um desvio de conduta. É apenas um processo mercantil.

A Guerra às Drogas comandada pelos EUA foi, desde sua origem, vista como uma forma muito mais “nobre” e humanitária de eliminar um dos perigos que rondam as Américas. É muito mais eficiente e palatável do que invasões a países para “protegê-los do comunismo”. Acusar chefes de governos latino-americanos de subversão e desrespeitar as soberanias nacionais (política do Big Stick) teve muita resistência. Agora, invadir um país para “combater” a droga tem apoio popular inigualável. É um discurso muito mais fácil. As drogas verdadeiramente destroem famílias.

Com a queda do Muro de Berlim, houve o consequente enfraquecimento do discurso anticomunista. Porém, em 1989, no mesmo ano da festa alemã, a publicização da possibilidade de os EUA entrarem no Panamá e prenderem o conhecido traficante Manuel Noriega (ligado à CIA) “caiu como uma luva” na então nova ordem mundial.

Em 1977, o então presidente norte-americano, Jimmy Carter, e o chefe de Estado panamenho, Omar Torrijos, firmaram um acordo de entrega do estratégico Canal do Panamá ao Panamá – este canal esteve desde sempre sob a jurisdição dos EUA. O tratado previu que o canal seria entregue até o ano 2000. E foi! Entre o acordo e a entrega do canal muita água rolou. Ronald Reagan ganhou as eleições norte-americanas para presidente, em 1980 – mas não foi nem sequer indicado ao Oscar! –, Torrijos morreu em um acidente aéreo mal explicado, Noriega se transformou no homem forte do Panamá. Reagan contou, então, com a ajuda desse amigo, por exemplo, no apoio à política dos “contras”, grupo financiado por Washington para derrubar o governo sandinista na Nicarágua. Contudo, a transição da lógica intervencionista transformou o general aliado em inimigo continental.

A partir da operação que levou Noriega ao julgamento e à prisão, outros narcotraficantes tiveram suas cabeças a prêmio. O exemplo mais celebre é o do chefe do Cartel de Medellin, Pablo Escobar, morto em uma caçada cinematográfica, em 1993.

Nos anos 90, os grandes personagens do tráfico continental passaram a ser os grupos armados de oposição à presença militar e econômica dos EUA na América do Sul. Realmente, as Farc, na Colômbia, e o Sendero Luminoso, no Peru, são exemplos de grupos que usam o tráfico de drogas e de armas pra manter sua capacidade bélica. Porém, são chamados por grande parte da população camponesa de “o exército dos cocaleros” – indígenas plantadores e protetores da folha de coca. Na Bolívia, o costume de mascar a folha de coca está ameaçado. Os EUA já anunciaram que em três anos terão uma arma biológica para atacar as folhas de coca. Em dez anos eliminarão todas as plantações e finalmente vencerão a Guerra.

A guerra de Washington encontra opositores que mostram números e provam que até hoje essa política só favoreceu o grande capital, penalizou povos pobres e jamais reduziu o consumo de entorpecentes. No Brasil e na Colômbia, o choque entre os traficantes e as forças que reprimem o narcotráfico chega à beira de uma guerra civil. Dentre aqueles que querem pôr fim a essa guerra travada pelos EUA e reduzir os danos gerados até agora por esse combate estão os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, do Brasil; César Gavíria, da Colômbia; e Ernesto Zedillo, do México. Eles defendem que as políticas públicas de saúde devem proteger e não criminalizar o usuário. Assim o tráfico seria combatido como consequência da desnecessidade de se procurar o traficante para conseguir o narcótico.

O grande “problema” é que políticas alternativas acabarão com os argumentos que mantêm os EUA como guardiões continentais. Tais políticas também tenderão a eliminar figuras como Joaquín El Chapo Guzmán. Isso sem contar a cortina de fumaça que a Guerra às Drogas traz. É uma camuflagem muito eficiente da necessidade de uma política efetiva que combata a lavagem de dinheiro. Principalmente em épocas de crise de liquidez, não parece interessar ao sistema financeiro o fim dos combates e das práticas tradicionais. Tradições de um sistema gigantesco que tanto contribui com as campanhas eleitorais dos EUA e com a abertura das fronteiras para atividades mafiosas. Tráfico, guerra e economia – aqui está o triângulo!

Luciana Worms é professora de Geopolítica.
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