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O presidente Jair Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro.| Foto: AFP

Algumas sondagens recentes indicam que a aprovação do presidente da República tem caído. A pesquisa da XP/Ipespe, por exemplo, aponta que o porcentual da população que considera o governo federal “ruim” ou “péssimo” vem crescendo sistematicamente desde outubro de 2020, às expensas da diminuição do grupo do “ótimo” ou “bom”. Pesquisas desse tipo refletem a percepção geral da população e, de certa forma, o desempenho do governante. Decifrar o que há por trás dos números e os motivos da aprovação ou desaprovação é sempre um desafio e possibilita especular sobre o futuro.

Questões metodológicas invariavelmente colocam algumas ressalvas nos resultados dessas pesquisas e geram um certo debate. De qualquer forma, parece claro que o presidente frustrou alguns dos seus eleitores. Tenho um amigo de muitos anos que faz parte desse grupo. Como eu, ele é professor em uma universidade pública e está na casa dos 40, mas ainda na primeira metade. Nunca foi às ruas com camisa da seleção brasileira, não gosta de armas, nem aprova as bravatas e grosserias do clã presidencial. Mas votou no presidente no segundo turno. Poucos sabem. É discreto, não usa redes sociais.

A convicção na defesa do seu voto, não do presidente, diga-se, foi minguando aos poucos e quase desapareceu no fim de 2020. Conversamos periodicamente e pude acompanhar a evolução da sua decepção. Como um observador privilegiado, relato a seguir os motivos que levaram o meu amigo – doravante, F. – ao aparente desembarque da nau governista.

À moda dos relacionamentos em geral, um avião não cai por um problema isolado. São pequenas avarias que vão se acumulando e culminam com a ruptura, com o desastre. F. é pragmático e atribui o seu desencanto a quatro erros decisivos do governo. Dois têm data, dois estão diluídos ao longo desses quase 28 meses de gestão.

A primeira decepção é com a economia. Hoje, F. se refere ao presidente como um liberal de ocasião, que pegou carona com os anseios de parte dos eleitores. Na campanha, os planos concretos para a área econômica eram difusos, mas certificados pelo currículo, experiência e prestígio incontestáveis do futuro ministro. No poder, as iniciativas do ministro esbarraram na falta de apoio político e um certo boicote do Planalto. De mãos atadas, o ministro já perdeu vários colaboradores importantes. O presidente, seduzido pelo populismo e em nome da governabilidade, não dá sinais de que colaborará para o andamento das reformas pauloguedistas.

O segundo erro é pontual: a indicação do ministro do Supremo, no início de outubro do ano passado. A indicação gerou muitas críticas dentro do bolsonarismo e F. considera que o presidente perdeu uma oportunidade ímpar de indicar alguém identificado com a pauta de costumes, coluna central da campanha ao Planalto. A indicação reforçou o matrimônio com o Centrão, expressão máxima do fisiologismo, tão criticado na campanha.

A terceira queda veio com a compra de uma mansão de R$ 6 milhões pelo filho do presidente numa área nobre de Brasília. A história é mal contada por vários motivos e chamou ainda mais a atenção por ter ocorrido no início de março desse ano, mês mais crítico até aqui da pandemia. F. pontuou que o timing da transação imobiliária bizarra foi tão ruim que, quando soube, achou que se tratava de um boato.

A crise sanitária que castiga o mundo há mais de um ano tem sido especialmente dura com o Brasil em 2021. O quarto erro listado por F. é crítico. O problema é complexo e são muitas as variáveis a serem consideradas, mas o presidente fez muito pouco para minorar a crise. Pelo contrário, minimizar as medidas de distanciamento social, o uso de máscaras, o desespero da população e todas as perdas atrapalhou muito. A política de enfrentamento tem sido errática e só agora há pálidos sinais de mudança. Definitivamente, o desempenho do presidente durante a crise decepcionou muitos.

Talvez os quatro erros listados por F. não expliquem todas as baixas no time dos apoiadores de 2018, mas não parece exagero supor que esses pontos estejam entre os principais motivos da decepção. Se as frustrações com a equipe econômica, a indicação ao STF e as peripécias contábeis do seu rebento podem ser consideradas menores para alguns, F. sustenta que apenas os mais renitentes ainda insistem em não enxergar as consequências da incapacidade do governo de iniciar as tratativas para a compra das vacinas em tempo e de cuidar da população durante a pandemia.

Terminado esse texto, liguei pra F. e li-o pra ele. Ele ouviu com atenção, sem interromper, e fez alguns pequenos reparos. Antes de desligar, perguntei se, apesar de tudo, ele considerava votar novamente no presidente em 2022. Preciso como sempre, a resposta de F. seguiu-se a uma breve pergunta: no segundo turno? Depende.

Hamilton Varela é professor titular do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo.

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