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Voto obrigatório ou facultativo? Quando se traz essa questão, deve-se responder a uma indagação anterior: o voto é um dever ou é um direito? A questão sempre se pôs, desde que se começou a decidir, pelo sufrágio, as questões públicas ou a designação de representantes.

Os gregos antigos, dos séculos IV e V antes de Cristo, entendiam que era um dever o voto. Lembremos as palavras de Péricles em sua tão famosa oração aos mortos na batalha do Peloponeso: "Nós consideramos o cidadão que se mostra estranho ou indiferente à política como um inútil à sociedade e à república". E a determinação de Sólon que, com o fito de prevenir os perigos da inação e indiferença, punia os cidadãos que, em tempos de agitação, não se declarassem abertamente por alguns dos partidos.

Que era um direito passariam a entender, pouco depois, os romanos, permitindo então, como conseqüência, a abstenção e o voto por procuração nas assembléias.

Quanto ao Brasil, escrevendo em 1922, Tavares de Lyra dizia: "Sobre o voto, temos ensaiado todos os sistemas conhecidos, com exceção, apenas, do voto obrigatório, do voto proporcional e do voto das mulheres". E ele se equivocava pois, segundo as instruções de 26 de março de 1824, seria condenado em 10$000 para as obras públicas aquele que, com direito de votar, não concorresse pessoalmente para dar a sua cédula ou não a mandasse "sem legítimo impedimento participado ao presidente da Assembléia Paroquial". E as multas indicadas pela Lei n.° 387, de 1846, para os que faltassem às reuniões dos colégios eleitorais ou não participassem da escolhas de juízes de Paz e vereadores, bem mostravam esse voto obrigatório no Império.

Em projeto de reforma eleitoral, apresentado em 1873, o deputado João Alfredo Corrêa de Oliveira insistia no voto obrigatório. A comissão especial designada para dar parecer sobre a proposta afirmou não ser aquele "um princípio novo na nossa legislação; já existe quanto à eleição de vereadores e juízes de Paz e à eleição secundária, e é apenas aplicado à eleição primária".

Continua: "já existe quanto ao exercício de cargos e funções políticas, nas juntas e mesas paroquiais, nos conselhos municipais, nos colégios eleitorais, no juizado de Paz, nas câmaras municipais, no júri, e em outras várias instituições de caráter político ou administrativo. Assim, pois, o projeto apenas supre, quanto à eleição primária, uma lacuna da legislação vigente; destrói simplesmente uma exceção, cuja existência tem autorizado o desuso da regra relativamente à eleição municipal e aos exercícios dos referidos cargos e funções públicas". O projeto não foi aprovado.

Instalada a República no Brasil, sua primeira Constituição, de 24 de fevereiro de 1891, não fazia nenhuma menção à obrigatoriedade do voto: seu artigo 70 dispunha que seriam eleitores os que se alistassem na forma da lei.

Nosso primeiro Código Eleitoral, trazido com a revolução de 30, pelo Decreto n.° 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, não impunha o voto obrigatório. Obrigatório era somente o alistamento. Dizia-se, no art. 119, que o cidadão alistável, um ano depois de completar a maioridade ou um ano depois de entrar em vigor este Código, deveria apresentar seu título de eleitor para "desempenhar ou continuar desempenhando funções ou empregos públicos ou profissões para as quais se exija a nacionalidade brasileira".

Mas a Constituição de 1934 veio, em seu art. 109, dispor: "O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e salvas às exceções que a lei determinar". E, afinal, a Constituição de 1946 veio trazer a obrigatoriedade do alistamento e do voto "para os brasileiros de ambos os sexos", o que foi reiterado pelas Constituições que se seguiram.

Consta que já somam, nesta atual legislatura, sete projetos, na Câmara e no Senado, propondo o voto facultativo. E as justificativas alinham argumentos diversos, desde a "infantilização" do eleitor, constrangido a exercer o que é um direito seu, até a consideração de que se deva optar por um voto de quem tem um maior discernimento e maior conscientização do que seja seu dever de cidadão. Resta aguardar que, do mais amplo debate, resulte a fórmula mais condizente com nossa circunstância política.

Walter Costa Porto é ex-integrante do Conselho Nacional de Educação, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral e autor dos livros O Voto no Brasil (Rio. TopBooks, 2.ª ed., 2002), Dicionário do Voto (Brasília, Edit. da Unb, 2.ª ed., 2000) e A Mentirosa Urna (S. Paulo, Martins Fontes, 2004).

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