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Uma das discussões mais recorrentes desde que Barack Obama assumiu a Presidência dos Estados Unidos se refere ao grau de convergência de suas políticas com as adotadas por George W. Bush, seu tão criticado antecessor.

Dois pronunciamentos recentes do atual presidente estadunidense chamam a atenção. O primeiro foi realizado na Academia West Point, no dia primeiro, em que Obama define a estratégia norte-americana no Afeganistão. O segundo foi dado no dia 10, em Oslo, Noruega, quando foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz.

Em ambos os discursos, Obama procurou justificar a necessidade de utilização da força militar no Oriente Médio e em países que desafiam a ordem internacional, postura que contrariou suas posições anteriores em relação à utilização de tropas como instrumento de política externa. O início deste mês, portanto, foi marcado por uma clara flexibilização da "mudança", que Obama defendeu energicamente durante sua candidatura, como se pode observar pelos pontos de convergência de seus discursos com o pensamento de Bush.

Em West Point, Obama afirmou que os EUA não "pediram pela guerra", mas foram levados a ela a partir dos ataques de 11 de Setembro, e que havia ligação entre o governo Taleban do Afeganistão com a Al-Qaeda. Em um momento do discurso, Obama chegou a declarar que os EUA sofreram um ataque do Afeganistão, e não de um grupo que utilizou o território do país para se organizar, o que é uma postura bastante generalizante, tipicamente utilizada pelo ex-presidente.

Outra similaridade entre os dois governantes passou a ser a alegação de que a situação no Iraque está sendo controlada e que os EUA conseguirão um "fim responsável" à guerra, o que está distante da realidade que se observa naquele país.

Por fim, o discurso sobre o Afeganistão ressaltou a necessidade de manutenção da utilização da força como uma das estratégias fundamentais para que a situação no Afeganistão volte a ser controlada e reafirmou a "missão" dos Estados Unidos como estabilizadores da ordem mundial.

A aproximação entre Obama e Bush se tornou ainda mais evidente no dia 10, quando, ironicamente, um presidente que está inserido em dois cenários de conflitos extremamente violentos recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Em Oslo, Obama destacou que a guerra pode ser justa e utilizada como estratégia eficiente de política externa. Nas palavras do presidente, "um movimento violento não poderia ter vencido os exércitos de Hitler. Negociações não podem convencer os líderes da Al-Qaeda a abaixarem suas armas". Mais importante, ainda, foi a afirmação do presidente de que "dizer que a força é por vezes necessária não é cinismo, mas um reconhecimento da história".

Precisa-se ressaltar, por outro lado, que também se observam divergências nos discursos de Obama em relação a George W. Bush. O atual presidente distingue a situação do Iraque (que está sendo controlada) e do Afeganistão, que está se deteriorando. Essa diferenciação está presente em seus discursos desde a eleição, quando já era proposto o aumento das tropas no país dos Talebans. Para o atual presidente, a deterioração se deve, principalmente, ao baixo desenvolvimento socioeconômico, às drogas, à corrupção e ao número insuficiente de forças de segurança. Bush, ao contrário, mencionava uma única "Guerra contra o Terror".

Barack Obama também tem uma postura mais flexível que a de Bush, ressaltando a necessidade de equilíbrio entre a economia e a segurança, perdido no último governo. Por fim, apesar de ser mantido o foco na importância dos valores estadunidenses, essa ênfase leva a decisões divergentes das adotadas pelo presidente anterior, como o fim da tortura nos interrogatórios e as tentativas de fechamento da Base de Guantánamo.

Em termos gerais, pode-se abstrair que Obama tem uma visão mais complexa da problemática do Oriente Médio que o neoconservadorismo de Bush, o que se traduz na divisão tridimensional da estratégia proposta pelo atual presidente em relação ao Afeganistão, que soma a utilização de militares ao trabalho conjunto com a população local e com o governo do Paquistão.

Essa é uma ressalva importante, pois tem-se que a manutenção de certas tendências é bastante razoável quando se leva em consideração que as transições, em um país com o grau de complexidade, com as estruturas domésticas e com o nível de poder dos EUA, são recheadas de traços de continuidade, devido aos constrangimentos que qualquer presidente norte-americano recebe.

Porém as similaridades entre algumas das visões apresentadas pelo atual presidente e os discursos mais exacerbados de Bush podem chocar a parcela do eleitorado norte-americano e da opinião pública mundial que realmente esperava por uma mudança radical em relação à perspectiva neoconservadora de Bush e ao seu militarismo excessivo.

O erro estava em esperar muito de um presidente que está amarrado a uma pesada e bem organizada estrutura institucional e a interesses nacionais claramente identificados com a manutenção da hegemonia no mundo. É hora, portanto, de começarmos a observar Obama como presidente dos EUA, e não apenas como um Nobel da Paz com origens africanas, discípulo de figuras históricas como Martin Luther King, Nelson Mandela ou Abraham Lincoln.

Juliano Cortinhas, especialista em relações internacionais, é professor da Universidade Católica de Brasília e da UnB

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