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| Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF

José Saramago assim definiu seu livro Ensaio Sobre a Cegueira: “Este é um livro francamente terrível, quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. É um livro brutal e violento, e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é necessário termos coragem para reconhecê-lo”. A história de uma epidemia de cegueira que ninguém sabe explicar começa de forma simples: “Um motorista parado no semáforo subitamente descobre que está cego” – e não demora para a cidade se tornar um caos.

Sim! O Brasil está experimentando uma epidemia de cegueira.

O momento político que estamos vivendo é confuso. Ouvimos o barulho de um bangue-bangue permanente, com troca de tiros de dois lados, como se o país se resumisse a eles. Cada um procura alvejar o outro porque acredita que a sua é a única verdade. Estão cegos.

Também os dois lados do tiroteio não enxergam o poder de articulação dos marginais que estão à espreita. São eles que matam uma mulher emblemática de um lado, e os bons policiais de outro. São eventos pontuais que se repetem à exaustão.

É preciso criar cultura de estímulo ao que é correto, enquadrado na lei, que deve valer para todos

Um extremo está embriagado pela esperança desperdiçada, ou pelo sonho de ser o único. No outro, acreditando que a solução é militar, cavam-se trincheiras, espalhando um clima de insegurança, de medo e pânico de uma sociedade que se sente acuada.

Os dois extremos já tiveram oportunidade de exercitar o poder, mas foram incompetentes. Agora só interessam o caos e a cegueira. A terra arrasada para motivar a ocupação pelo comandante, da direita ou da esquerda.

E no meio do tiroteio está a maioria, parcela decisiva da população, que é ignorada. A epidemia da cegueira alcançou-a. Ela não consegue vislumbrar uma saída, e fecha os olhos para não enxergar o que não quer ver. Ela sabe que os que nos governam não atendem o povo sofrido e desassistido, que não recebe educação e tratamento de saúde dignos; sabe que meios de transporte são precários, as estradas estão esburacadas e as pontes correm risco iminente de ruína. Multiplicam-se os lixões a céu aberto, a água escassa nas casas dos que têm menos, e o esgoto em excesso nas valetas rurais e urbanas; cidades e estados quebrados. Não há um projeto, nem um plano a ser seguido.

Ela sabe, mas não vê a saída! Acredito, no entanto, que pensa e reflete.

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Existe parcela significativa das Forças Armadas que enxerga um país amedrontado e carente de força bruta? Se existe, não esqueçam eles que, sendo os valorosos guardiões das nossas instituições, não podem e não devem usar a força, com a ilusão de que somente ela é capaz de colocar o país em ordem permanente.

E os assim chamados “da elite” são os que geram empregos e devem ser estimulados a reduzir o desemprego, com legislação atualizada e garantidora de direitos e deveres. Só os cegos de espírito não percebem a importância do ambiente, ainda mais quando maltratado.

Todos devem se preocupar com o futuro – o seu e o do seu vizinho. E para isso é preciso ter Previdência Social. Os que tiverem dúvida, que perguntem aos funcionários da Petrobras, dos Correios e de outras estatais, e eles responderão o que deve ser feito para não permitir que roubem o dinheiro que garante o seu futuro.

Corruptos e corruptores dominam o noticiário. É preciso criar cultura de estímulo ao que é correto, enquadrado na lei, que deve valer para todos. É inadmissível atender o preso que quer ser livre, com o argumento de que seus iguais ainda estão soltos. A Justiça está cega? Pois que retire a venda dos olhos para poder ver o Brasil que interessa, e não escolher entre um ou o outro lado. E que se dê ao respeito.

Para voltar a ver o que não enxergamos, é preciso acreditar em instituições que fomos nós que criamos.

Luiz Cláudio Mehl é engenheiro e ex-presidente do Instituto de Engenharia do Paraná.
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