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Não é daquele ódio tóxico, que remói as entranhas e dá câncer. É mais um ódio liberto de paixão, institucional e pasteurizado. Uma indignação aumentada. É um sentimento frio, que sempre incomoda um pouco, e que em alguns momentos toma mais tempo do que mereceriam os destinatários dele, como quando estoura um escândalo tal qual o das últimas semanas, envolvendo o governador do Distrito Federal. Mais do que um caso de corrupção (e se usa a expressão fora do seu sentido técnico estrito, para designar todas as condutas ilícitas praticadas por agente público que produzam lesão ao erário ou enriquecimento ilícito), trata-se de um símbolo. Símbolo da desfaçatez. Símbolo do desrespeito ao cidadão de bem. Símbolo da arrogância, fruto da certeza do anonimato e da crença de que o Poder autoriza a prática do inconfessável.

Os corruptos, como um vírus letal, disseminam diariamente o mal na sociedade, corroendo as estruturas do Estado que deveriam sustentar um aparato destinado somente ao bem comum e ao interesse público. Há um consolo. O consolo é que, ao contrário do que imaginam os corruptos, não há anonimato ou segredo absoluto. "A verdade possui um poder que vence todos os obstáculos. E, quando lhe barram o caminho, quando conseguem encerrá-la por um tempo mais ou menos longo sob a terra, ela se concentra e adquire uma tal violência de explosão que, no dia em que explode, faz saltar tudo com ela" afirmava Émile Zola em um dos manifestos em defesa de Dreyfus, militar, judeu e bode expiatório degredado na Ilha do Diabo por inexistente traição à pátria.

A verdade alcançará os corruptos. Enganam-se os que se imaginam anônimos. Muitos a sociedade sabe quem são, só não os aponta. Comenta sobre eles quando deixam a sala. Aponta indignada os bens que ostentam, incompatíveis com o padrão de sua renda. Conhece sua origem humilde e sabe em quão pouco tempo juntaram o notável patrimônio! Fala nas costas deles. Sabe que cobram porcentual para liberar recursos em contratações públicas. Sabe que cobram para deixar de aplicar multas ou cumprir as obrigações de seu cargo. Sabe que cobram para liberar alvarás, licenças e outras outorgas públicas. Sabe de tudo. Serão apanhados, é uma questão de tempo, método, e demanda um comprometimento efetivo da sociedade organizada.

Os corruptos são antes de tudo desleais para com o compromisso de moralidade, probidade e legalidade que a Constituição impõe para todos os agentes públicos. Desonram e ofendem os servidores públicos honestos, probos e cumpridores dos seus deveres institucionais. Devem ser identificados e punidos. Para puni-los exemplarmente sequer precisamos de novas leis. O Código Penal e a Lei de Improbidade Administrativa já contêm regras e sanções suficientes para a didática e exemplar punição, como, por exemplo, multa de até cem vezes o valor da remuneração do agente. Basta a celeridade do indispensável e devido processo le­­gal, para assegurar o contraditório e a ampla de­­fesa, e a efetividade da sanção.

A título de sugestão, poderia o Conselho Nacional de Justiça editar resolução determinando prioridade para o julgamento de casos envolvendo corrupção e poderiam os juízes ser sempre muito severos na aplicação da pena. Por medida de justiça, não se pode esquecer que a corrupção não é con­­duta que o agente público pratica sozinho. A corrupção é impossível sem a existência da parte que paga a conta. Logo, todo aquele que contribui para a prática do ato corrupto tem igual responsabilidade e igualmente deve ser punido. Sem o corruptor a corrupção desaparece por inanição.

A propósito, o caso Distrito Federal contém um aspecto inovador. Já se sabia que a propina, como gênero, tinha duas espécies: aquela que aproveita diretamente o corrupto, ingressando como receita no seu patrimônio; e aquela que lhe aproveita indiretamente, ao ser utilizada para financiamento de campanha eleitoral. Surge a figura da propina com função social, porque supostamente gasta para comprar panetone para pessoas carentes. Faz sentido. Ao lado da função social da propriedade e da função social dos contratos: a função social da propina. Odeio corruptos!

José Anacleto Abduch Santos é advogado, procurador do Estado, Mestre e Doutorando em Direito Administrativo pela UFPR, professor do UniCuritiba

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