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Depois de experimentar crescimento de 7,3% ao ano, no intervalo de tempo compreendido entre 2005 e 2013, o volume de vendas do comércio varejista brasileiro declinou 1,7% em 2014, em resposta à forte desaceleração do ritmo de evolução do consumo das famílias, que recuou de 2,6%, em 2013, para 1,5%, em 2014.

A marcha descendente das atividades comerciais pode ser explicada fundamentalmente pela combinação entre os elementos estruturais de instabilidade, que afetaram de maneira dominante o funcionamento da economia brasileira nos tempos recentes, agravados pelas paralisações associadas à Copa do Mundo e às apreensões durante o ciclo das eleições.

Dentre os fatores-chave de perturbação sobressai a redução da renda líquida disponível dos consumidores, o encarecimento do crédito e a exacerbação das incertezas em relação ao futuro.

A diminuição dos rendimentos está associada ao flagrante enfraquecimento do mercado de trabalho, notabilizado pelo declínio do contingente ocupado detentor de maior qualificação, particularmente na indústria; pelo recuo da geração líquida de postos no comércio e nos serviços; e pela contração dos salários em decorrência da escalada da inflação. O que se viu foi o propagandeado pleno emprego dar lugar ao medo de perda do posto de trabalho, evento atestado pela onda de desligamentos nas montadoras.

A retração que atingiu de forma acentuada o setor industrial chegou ao comércio varejista

No que diz respeito à restrição creditícia, levantamento realizado pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) constatou que os juros médios pagos pelos consumidores nas compras a prazo estavam, em dezembro de 2014, em 108,2% ao ano, sendo 258,3% a.a. no cartão de crédito, o maior patamar desde julho de 1999 (278,9% a.a.), e 178,8% a.a. no cheque especial, o maior nível desde setembro de 2003 (182,2% a.a.).

Tal cenário constitui uma verdadeira bomba-relógio de efeito retardado para os consumidores, normalmente detentores de reduzido grau de educação financeira, que recorrem ao endividamento para o suprimento de suas necessidades essenciais e não essenciais, ou concretizam o ato de compra meramente por impulso ou objeto de desejo.

No que se refere ao fator insegurança, formado pela balbúrdia na gestão da economia, adicionado atualmente pelos ajustes que deverão repercutir na inflação e na carga tributária, não seria correto imaginar algo diferente de um processo de postergação de compras e substituição da aquisição de produtos caros por outros mais baratos. Até porque apurações da Confederação Nacional da Indústria (CNI) denotam um panorama desfavorável na confiança do consumidor. As mensurações da entidade dão conta de que o índice nacional de expectativa do consumidor – medido em escala entre zero e 200 pontos – caiu de 111,2 em dezembro de 2013 para 109,2 em dezembro de 2014, e 100 em fevereiro de 2015, o menor patamar desde junho de 2001, contra média histórica de 110.

Em suma, é fácil notar que a retração que atingiu de forma acentuada o setor industrial chegou ao comércio varejista. A macroeconomia denota a penalização, num primeiro momento, do investimento, e, tempos depois, do consumo. Até o costumeiro ponto fora da curva, representado pelo agronegócio, acusou estagnação da área plantada e declínio das cotações externas dos principais produtos, aspecto que não deverá ser anulado pela depreciação do real em curso.

Mais que isso, a cesta de indicadores econômicos disponíveis não deixa dúvidas quanto ao encerramento definitivo no Brasil da dinâmica de varejo baseada na expansão do crédito, da massa de salários (emprego, mesmo que de menor qualidade, e remunerações reais), dos dispêndios e benesses bancados pelo Tesouro Nacional, da renda adicional proveniente dos saldos comerciais, proporcionados pela melhora das relações de troca, e do barateamento das importações.

Gilmar Mendes Lourenço, economista, é professor e editor da revista Vitrine da Conjuntura, da FAE Centro Universitário.
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