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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

A história não é nova, seja para o próprio etanol ou para outros produtos. A aludida “guerra comercial” entre Brasil e Estados Unidos em função do comércio bilateral de etanol na verdade é uma das batalhas da grande “guerra” do comércio internacional. São muitos interesses particulares, de segmentos econômicos e de governos colocados todos na mesma conta, tendo como tempero as questões ambientais. Todos têm a perder e a ganhar se a receita não for bem montada.

No capítulo atual, temperado pelo modelo Trump de governar (America First), qualquer pé de galinha pode virar sopa. É o que está acontecendo com o caso do etanol. Não é de hoje que as importações brasileiras de etanol (quase todo americano) crescem e, só até julho de 2017, elas já foram 64% maiores que em todo o ano passado. Se não houver alterações na política de comércio exterior atual (em ambos os países), o volume importado deve chegar a ser o dobro de 2016.

E as importações não são sem motivo, já que o etanol brasileiro é feito de cana de açúcar, produto concorrente do etanol na usina. O valor da tonelada do açúcar no mercado internacional está, em média, 35% maior se comparado a 2015. Por consequência, as usinas nacionais vão direcionar esforços para o açúcar e não para o etanol, em função da lucratividade. Ou seja, a oferta de etanol é menor do que poderia ser. Vale lembrar da importância do câmbio nesta situação.

Outro ponto que mexe com o mercado interno de etanol é a permanente variação para cima nos preços da gasolina, combustível concorrente. O etanol, além de ser parte do combustível “gasolina”, pois é misturado a ela, também é a alternativa para os motoristas de carros que podem usar os dois combustíveis. Ou seja, decorre aumento no consumo de etanol.

Essa mistura entre açúcar, gasolina, câmbio e compromissos ambientais aponta que o consumo de etanol no Brasil tende a aumentar

Adicionalmente, há os compromissos internacionais estampados no recente Acordo de Paris, polemizado por Donald Trump, durante a COP-21, na França. O Brasil se comprometeu a elevar a participação de biocombustíveis na matriz energética dos atuais 6% para 18% até 2030, sendo o aumento da oferta de etanol um dos meios.

Essa mistura entre açúcar, gasolina, câmbio e compromissos ambientais aponta que o consumo de etanol no Brasil tende a aumentar. E hoje ele está, em parte significativa, dependente dos Estados Unidos, o grande fornecedor externo de etanol para o Brasil. A notícia boa é que o Brasil tem capacidade de produzir praticamente todo o etanol de que precisa. A ruim é que o açúcar anda com bons preços no mercado internacional e a única alternativa de importação com capacidade de nos atender são os americanos. De olho nessa situação, o governo federal brasileiro lançou recentemente o RenovaBio, um programa criado pelo Ministério de Minas e Energia no fim de 2016 e lançado em 2017, cujo objetivo é expandir a produção de biocombustíveis no Brasil, baseada na previsibilidade, na sustentabilidade ambiental, econômica e social e compatível com o crescimento do mercado. É um programa alinhado aos compromissos da COP-21. O RenovaBio ainda não ainda está em vigor, pois lhe falta a normatização oficial. Uma anotação é importante: a inspiração do RenovaBio é justamente o programa que alavancou a indústria de etanol de milho nos EUA e fez dela a maior do mundo no segmento. Mais uma vez a letargia governista coloca a perigo as contas nacionais.

Na outra ponta está a exportação brasileira de etanol para os Estados Unidos, hoje questionada e ameaçada pelo governo America First. A sobretaxa da importação do etanol brasileiro para os americanos já não é novidade. Essa foi a base para o forte alicerçamento da indústria de etanol de milho dos Estados Unidos. Foi esse protecionismo e estímulo aos produtores que permitiu que a indústria americana de etanol se tornasse a maior do mundo. Em 2012 e 2014 ela foi bastante presente. Hoje o segmento é bastante forte na economia americana e influencia políticas e ações do governo. Pode-se aludir que o segmento vê as importações do etanol brasileiro com ressalvas, mas também se preocupa se o governo brasileiro taxar as importações do etanol americano, já que vende quatro vezes mais biocombustível ao Brasil do que os americanos importam daqui. Então, o setor não deve fazer pressão no seu governo pela sobretaxa e, provavelmente, posicione-se contra ela. O governo brasileiro já retaliou a ameaça do governo americano, propagandeando que fará uso das mesmas burocracias e taxas para o etanol americano, no Brasil, que venham a ser utilizadas para o etanol brasileiro nos Estados Unidos.

Leia também:Ignorar o Acordo de Paris é um mau negócio (artigo de Marina Grossi, publicado em 9 de junho de 2017)

Leia também:A crise fabricada da cana (artigo de Marcos Fava Neves, publicado em 30 de novembro de 2014)

Vale ressaltar, ainda, que as questões ambientais relacionadas à matriz energética não devem ganhar importância do governo americano, levando em consideração as demonstrações de que não está tão preocupado com os meios tradicionais de tratar as questões climáticas, como a saída do Acordo de Paris. Também foi anunciada recentemente a redução nas metas para uso de biocombustíveis em 2018. E um dos mais afetados é justamente o etanol de cana de açúcar.

Observando todas essas variáveis, acredito que o governo Trump não irá taxar o etanol brasileiro. Outro ponto que reforça a posição é ver os fundos de hedge e outros agentes comerciais elevarem as apostas na cana de açúcar e não no milho. Vale ressaltar que as bolsas sempre são boas sinalizadoras do rumo da economia.

Por fim, cabe ressaltar que o governo brasileiro, apesar de estar em posição mais confortável na disputa, precisa refletir bastante antes da imposição de taxas e cotas ao etanol americano, como as associações brasileiras do segmento sucroalcooleiro pedem, pois Donald Trump é vingativo e pode surpreender.

Christian Frederico da Cunha Bundt é administrador, professor da UEPG e membro do Comitê Macroeconômico do Isae – Escola de Negócios.
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