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Felipe Lima

Ultimamente me vejo prestando mais atenção à dor e à tristeza à minha volta do que antes. Em parte, é resultado da idade, da juventude cada vez mais distante, mas imagino que minha situação não seja muito diferente da de muitos de vocês.

Em fevereiro, me encontrei com um amigo de escola cujo filho de 13 anos cometeu suicídio depois de lutar contra uma lesão cerebral, e ele me disse: “Parei de chorar todos os dias, o que já é um grande progresso”. E acrescentou: “Passei mais de um ano tentando fazê-lo melhorar, mantê-lo vivo, e só nesses últimos dias é que finalmente perdi essa motivação. Não tenho de fazer mais nada agora simplesmente porque não posso”. Apesar disso, ele conta que vê o filho ainda vivo nos sonhos, nos quais faz de tudo para que o garoto fique bem.

Outro amigo de uma vida inteira morreu recentemente de câncer de cólon. A mulher dele me escreveu: “Gostaria de lhe dizer que estamos passando por essa situação com bravura e fé, mas isso não descreveria a nossa situação atual, de jeito nenhum. A coragem aparente é mais um truque para convencer a nós mesmos que essa dor imensa vai passar com o tempo, e a fraqueza de nossa fé está mostrando como seus limites são mínimos”.

Às vezes, as dificuldades não têm a ver com a morte, mas com coisas como o vício. Semanas atrás, falei com um amigo cuja mulher lhe disse não querer mais permanecer casada por causa de suas recaídas no alcoolismo, que ele descreve como “uma luta sombria e muito séria” que lhe roubou sua verdadeira personalidade – hoje ele está em tratamento, tentando reconstruir a vida.

Casos como esses raramente se repetem/estendem durante a vida toda e a maioria das pessoas que conheço está muito bem; acontece que toda vida tem uma história e toda história é marcada por dores, perdas e tristezas. De vez em quando somos nós que sofremos; em outras, temos de ver aqueles que amamos sofrer. Cada situação é difícil à sua maneira.

Não sou teólogo. Minha vida profissional se concentra na política e nas ideias das quais ela é composta. No entanto, também sou um cristão tentando lutar honestamente com as complexidades e perdas da vida dentro do contexto da minha fé – e, embora os cristãos não tenham problema em dizer que Deus conforta as pessoas em sua dor, se uma criança morre, se o câncer não entra em remissão, se o casamento se desfaz, até que ponto isso é bom?

Em 1940, C.S. Lewis escreveu O problema do sofrimento, explicação do autor para a noção de que um Deus bom e todo-poderoso permitindo que Seus filhos sofram era um pouco certinha e perfeita demais. Entre outras coisas, escreveu: “Deus sussurra conosco em nossos prazeres, fala à nossa consciência, mas grita ao sentirmos dor: é seu megafone para estimular um mundo surdo”.

Há consolo, pelo menos para mim, na convicção de que fazemos parte de um drama que se desenrola com um objetivo

Analisemos agora a publicação de A anatomia de uma dor, 20 anos depois, que Lewis escreveu depois da morte da mulher. O megafone de Deus não só o estimulou como quase o destruiu. Escrevendo sobre seu sofrimento, o autor descreveu o sentimento ao procurar Deus “quando a necessidade é tão desesperadora, quando toda outra ajuda é inútil e o que se encontra? Uma porta fechada na cara e o som da chave virando e revirando do outro lado. E, depois disso, silêncio”. E acrescentou: “Não que eu esteja (eu acho) correndo o risco de deixar de acreditar em Deus. O verdadeiro perigo vem de acreditar nessas coisas horríveis sobre Ele. A conclusão a que temo chegar não é ‘então Deus não existe’, mas sim ‘Deus é assim. Pare de se enganar’”.

Anos atrás, almocei com um pastor e lhe perguntei o que achava desse livro; sua atitude chegava ao desdém. Achava que Lewis permitira que a dúvida se instalasse quando a fé deveria tê-lo sustentado. A minha reação foi oposta. Talvez porque a minha jornada de fé muitas vezes tenha sido marcada pela incerteza, achei reconfortante o fato de o maior apologista cristão do século 20 vocalizar suas dúvidas. E Lewis não foi o único a fazê-lo. O próprio Jesus, crucificado e quase à morte, levantou a pergunta que muita gente, cega de dor, também se faz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”

A interpelação de Jesus, como a nossa, não foi respondida no momento. Até Ele foi forçado a enfrentar a dúvida. Sua incerteza agonizante, porém, não foi prova de falta de fé, mas sim de humanidade. Como Jó, temos de admitir as limitações do conhecimento humano quando se trata de fazer o sofrimento ter sentido. “A partir das evidências bíblicas, tenho de concluir que qualquer resposta rápida e direta aos porquês está simplesmente fora de questão”, escreveu o autor cristão Philip Yancey. Como também a garantia de que as causas de nosso sofrimento, os espinhos em nossa carne, desaparecerão. Mas, então, o que o cristianismo tem a oferecer em meio às dificuldades e decepções?

A resposta, eu acho, é consolo, incluindo o que vem de fazer parte da comunidade cristã, gente que, como nós, também tem de seguir a vida através da dor, mostrando não devoção, mas gentileza e graça, oferecendo encorajamento e empatia e, quando necessário, ajuda prática – obviamente é possível encontrar amigos incrivelmente queridos fora da comunidade cristã. Meu ponto aqui é simplesmente dizer que esse grupo deveria ser caracterizado por um amor extravagante, pela compaixão e pelo altruísmo.

Para muitos, há um consolo imenso em acreditar no que o apóstolo Pedro descreve como “herança eterna”. “Por tudo isso, alegre-se grandemente, embora no momento você talvez tenha de sofrer dor e todo tipo de provação.” Faz parte da doutrina cristã básica que o que é visível é temporário e o invisível é eterno e mais importante que o temporal.

Mas mesmo uma garantia tão incrível quanto a vida eterna, na hora e em mãos erradas, pode dar a ideia de descaso. Não é que as pessoas de fé, ao sofrerem, negam a esperança divina, mas sim que, ao serem lembradas dessa esperança, não querem sua dor minimizada ou que o processo da agonia seja ignorado. Todas as coisas acabam se renovando, mas mesmo nesta vida até as feridas que cicatrizam deixam marcas.

Há também consolo, pelo menos para mim, na convicção de que fazemos parte de um drama que se desenrola com um objetivo. Em qualquer momento específico, posso não ter ideia do que seja ele, mas creio, por questão de fé, que a história tem um autor, que os capítulos difíceis não precisam necessariamente ser decisivos e que até os aspectos problemáticos da vida podem ser resgatados.

O livro de Isaías, ao profetizar a vinda do Messias, o descreve como “um homem de tristezas, conhecedor do sofrimento”. Ouvimos desde sempre que “através de suas dores seremos salvos”. Para quem é cristão de fé, Deus é um Deus de feridas, cujo caminho para a redenção passa diretamente pelo sofrimento. Há algum consolo em saber que, embora às vezes a vida nos seja dura, também foi complicada para o Deus do Novo Testamento. E do sofrimento pode surgir a compaixão, ou seja, o sofrer com o outro, aquela disposição que geralmente leva a atos de misericórdia.

Já vivi bastante para saber que a dor sempre deixará suas marcas, mas também o suficiente para saber que o amor faz o mesmo.

Peter Wehner, membro do Centro de Ética e Políticas Públicas, trabalhou nos três últimos governos republicanos e é articulista do jornal “The New York Times”, onde este texto foi originalmente publicado.
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