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Oportunidade de mudança na educação
| Foto: Bigstock

Um dos mais graves efeitos da pandemia de Covid-19 é o afastamento, no mundo todo, de mais de 1,5 bilhão de crianças e jovens das aulas presenciais, representando, segundo dados da Unicef e da Unesco, 91% do total de estudantes em idade escolar. No Brasil, aproximadamente 48 milhões de estudantes do ensino básico não podem ir à escola. Esse cenário imprevisto, sequer retratado pelos mais criativos autores de ficção científica, constitui imenso desafio aos estudantes, às suas famílias, aos professores, aos funcionários e aos gestores do sistema educacional. A dificuldade cresce, ainda, na proporção da pobreza, pois são muitos os estudantes que, para além do ensino, contam com a escola como refúgio de alimentação, atividades sociais e desportivas. Muitos, também, não possuem os meios necessários ao ensino remoto, oferecido por alguns municípios e estados.

A educação é, em si, um tema complexo, em vista da quantidade de atores e posições antagônicas, não sendo rara a existência de múltiplos entendimentos em uma mesma ideologia. Não há dúvidas, porém, de que a eficácia da educação é diretamente afeita ao investimento efetuado, de modo que é possível antever as sérias dificuldades em face da grave crise econômica, na qual já se experimenta significativa redução tributária e impactos negativos nas contas públicas. O cenário é nebuloso para as instituições educacionais públicas e da iniciativa privada, confessionais ou sem fins lucrativos, posto que dessas muitas funcionam com o aporte de recursos públicos.

Há, nesse momento de grande tensão, a necessidade de efetivos aperfeiçoamentos, tanto na execução orçamentária, quanto no redesenho de aspectos estruturais da educação. Faz falta, em cenário de crise ou de normalidade, o adequado investimento em políticas públicas educacionais que conduzam a resultados positivos que possibilitarão a elevação da qualidade de vida da população e a redução das desigualdades sociais. No que diz respeito ao redesenho da estrutura educacional, o impacto imediato da Covid-19 foi a tomada de medidas extraordinárias e improvisadas, mas que adiantaram o necessário debate sobre a “educação do futuro”.

Atribui-se ao gênio Albert Einstein a inspiradora frase “no meio da dificuldade encontra-se a oportunidade”. A inovação e a disrupção, temas que até pouco tempo pareciam tão distantes, restritos às melhores instituições de ensino dos países desenvolvidos, agora são prioritários no planejamento educacional, em todos os níveis. Por exemplo, sabe-se que simplesmente abrir as escolas para aulas na mesma sistemática anterior não se demonstra uma opção viável no que se convencionou chamar de o “novo normal”.

Por isso, nessa busca da oportunidade em meio à dificuldade, é cabível a análise da educação pós-Covid sob a lente de um dos grandes nomes em inovação e redução de desigualdades em matéria educacional, o colombiano Rodrigo Arboleda, co-fundador e CEO da iniciativa Fast Track, com Salim Ismail (Singularity University), o qual relata as mudanças de paradigma apressadas com a pandemia. Para Arboleda, há a alteração do pressuposto do “ensino” para o “aprendizado”, concepção em que os estudantes recebem estímulos para a tomada de iniciativas, numa modificação da postura de espectadores passivos de mudanças impostas por terceiros para o papel ativo de agentes de transformação. Essa nova conformação essencialmente inverte a sistemática pré-Covid, da ida do aluno à escola para aprender e do retorno à moradia para a lição de casa, para o modelo em que o aluno vai à escola para a lição de casa e retorna ao lar para “aprender” via plataformas e serviços tecnológicos.

Nesse contexto, que pelas circunstâncias é presente, demonstra-se impossível a um professor de um vilarejo pobre e remoto competir com essas fontes tecnológicas de conhecimento. Mas ele pode perfeitamente atuar como um mentor, que guiará a criança a localizar soluções e aplicações compatíveis com seu intelecto ou áreas de interesse. Será treinado para isso. Trata-se, portanto, de uma alteração do foco, antes centrado na figura do professor (teacher centric) para a figura da criança (child centric). Tal mudança já se evidenciou como uma das opções mais eficazes nas tentativas de educação remota, mesmo que improvisadas e, naturalmente, acarretará numa profunda mudança da educação, que mais do que nunca será tida como uma “missão”.

Numa perspectiva mais sofisticada, verifica-se o aprimoramento trazido pelos laboratórios tecnológicos educacionais, a exemplo dos maker´s labs ou fab labs, impulsionados por ferramentas como a impressão 3D. Por mais que em um primeiro momento isso esteja distante da maioria dos estudantes, numa reprogramação conceitual do sistema de ensino, é algo a ser levado em conta. Trata-se da mudança do mantra do aprendizado pela ação (learning by doing) para o aprendizado pela construção (learning by building), sob a perspectiva de que o mundo precisa de mais inventores, com a mudança para o perfil em que o cidadão passa a ter uma mentalidade focada em solução (solution oriented mentality), que não somente “pensa” sobre uma solução como a “executa”.

Como habilidades linguísticas, é desejável que haja o efetivo aprendizado de três idiomas: o português, como a língua principal; o inglês, como a língua da tecnologia e da leitura e escrita de programação (code) e mais um idioma a escolher. As plataformas on-line são muito adequadas para isso. A propósito, é fundamental o aprendizado da programação, independentemente se a criança será dentista, socióloga, advogada, filósofa ou uma ocupação da qual ainda não ouvimos falar. É intenso o treino cerebral em ao menos quatro áreas que a programação proporciona em uma maneira melhor e mais coerente: a) pensamento crítico; b) mentalidade orientada à solução; c) compartilhamento e; d) reflexão.

Para que todos os estudantes possam ter acesso a essa educação de qualidade formou-se, em substituição a um privilégio, um novo direito de cidadania, o acesso em alta velocidade à internet. Com efeito, a Covid-19 simbolicamente catapultou esse conceito na forma de uma avalanche. O suporte de uma infraestrutura de telecomunicações rápida e confiável é fundamental para que ocorra um salto de qualidade na educação. Naturalmente, enquanto a tecnologia 5G não chega, há de se utilizar as atuais tecnologias de telefonia celular, cabos, fibra ótica, rádio, satélites e sinais de televisão. Lute-se com as armas disponíveis.

Para que esse modelo funcione a contento, cada criança precisa receber um dispositivo durável, resistente, adequado às características infantis, com as ferramentas educacionais necessárias, que servirá como sua rica “chave para o conhecimento” (key-to-knowledge). Esse dispositivo foi precisamente a ideia do projeto do “One Laptop Per Child”, desenvolvido pelo Media Lab do MIT, concebido por Nicholas Negroponte e liderado por Rodrigo Arboleda e causou imenso impacto na educação global e que, agora, faz mais sentido do que nunca.

Todo esse ciclo conceitual se fortalece com a educação em primeira infância, do nascimento aos cinco anos de idade, mediante o envolvimento da família e a oferta de atividades de qualidade e professores preparados e a carga nutricional adequada. É a equação defendida por James Heckman, da Universidade de Chicago (a “The Heckman Equation”: investimento + desenvolvimento + sustentação = ganho”). Irving Harris, idealizador e executor de diversas iniciativas em políticas públicas voltadas à infância, apontou em números o custo-benefício do investimento em primeira infância, que evita um custo social de trezentos mil dólares causado por um delinquente em face de um desembolso de dez mil dólares na primeira infância. O ciclo se completa, com a ideia, defendida por Arboleda, de prolongar indefinidamente no tempo o ambiente de aprendizado do jardim de infância, onde os sentidos se mantêm como importantes fontes de informação ao cérebro e a curiosidade e a criatividade natural da criança são mantidas. Isso, em conjunção com a necessidade de serem criados “inventores” para fazer frente aos desafios, culmina num cidadão hábil a localizar soluções práticas aos problemas usuais de seu cotidiano.

Pode-se dizer da imensa dificuldade da execução desses tópicos nessas linhas abordados, pois são muito conhecidas as mazelas da educação pública, com escolas inadequadas - vide a falta de itens básicos - e professores desmotivados e insatisfeitos. Como poderia haver recursos se muitas escolas sequer têm papel higiênico, saneamento ou luz elétrica? A resposta necessariamente passa pela execução de adequada governança e gestão, pautada em premissas de eficiência e racionalização, levando-se em conta as diferentes realidades do país.

O Brasil investe aproximadamente 6% do seu PIB em educação, mais do que a média da OCDE e muito mais do que outros países em desenvolvimento, mas apresenta resultados significativamente inferiores em qualidade de educação. Isso antes da pandemia causada pelo coronavírus. É evidente, pois, a necessidade imediata de profundas mudanças no modelo até agora adotado, que já demonstrou não funcionar. Deve-se começar pela reprogramação orçamentária vinculada a projetos que corresponda ao futuro da educação. Isso certamente causará desconforto. Mas mudanças, por mais que causem desconforto, tornarão possível o câmbio de o rumo da educação para a qualidade que a sociedade espera.

A orientação democrática para a execução de profunda alteração no sistema educacional foi outorgada pela eleição de Jair Bolsonaro, sob linhas traçadas em plano de governo. Cabe ao novo Ministro da Educação implementá-las, naturalmente adequando-as em vista da realidade imposta pelos novíssimos tempos e capturando a oportunidade de aprimoramento tecnológico, atuando em prol da racionalização e visando, sempre, a diminuição da desigualdade educacional não pela nivelação por baixo, mas pela elevação da qualidade da educação pública mediante a efetiva mudança de rumo.

Fabio Malina Losso é visiting scholar e membro de conselho na Harris School da Universidade de Chicago. Doutor em Direito Civil pela USP. Associado-Fundador do Instituto O Pacificador.

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