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No que se refere à formulação orçamentária, a participação da sociedade tem sido praticamente nula, não somente por desinteresse do poder público como também por uma visível omissão do cidadão

Há poucos dias a Gazeta do Povo publicou um editorial intitulado "Participação no Orçamento", no qual foi discutida a pouca participação do cidadão na elaboração desse importante documento.

A matéria é relevante na medida em que, efetivamente, há um vazio histórico entre o processo de estruturação orçamentária, geralmente balizado por critérios técnicos complexos, de difícil interpretação, e a participação da sociedade em sua formulação.

É preciso reconhecer que a construção do aparato institucional do Estado brasileiro foi desenvolvida com um grau de participação popular muito baixo. As primeiras manifestações do orçamento participativo, no Brasil, surgiram no início da década de 80, sendo ele identificado como um método inovador para gerir os recursos públicos. Disseminou-se por alguns estados da federação, mas sem adquirir a consistência necessária, pois, em muitos casos, esteve marcado por um viés político-ideológico.

A Constituição de 1988, em seu significado transformador, sinalizou para uma administração pública destinada a servir à coletividade, a viabilizar os direitos sociais, a prestar serviços públicos vinculados com os direitos de cidadania e a corrigir o passivo social.

Na esteira das reformas preconizadas, a Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe avanços substanciais e um ciclo modernizador capaz de demolir velhas estruturas e implantar formas tecnológicas de atuação. Em seu contexto, reforçou o princípio do planejamento – pela utilização do orçamento – e os conceitos de transparência, ética, responsabilização, limites de gastos, controle social e a premissa básica de que se deve gastar somente o que se arrecadar.

Mais do que isso, institucionalizou o orçamento participativo, ao assegurar que a transparência será realizada mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas durante os processos de elaboração e discussão das peças orçamentárias.

O orçamento é um instrumento do planejamento e um plano de governo. Através dele, o governante expressa as intenções políticas reveladoras do desenvolvimento econômico e social. Não se desconhece que é no âmbito local que as demandas sociais são reveladas em sua plenitude e que as políticas públicas são estruturadas para a satisfação das necessidades da coletividade. No entanto, no que se refere à formulação orçamentária, a participação da sociedade tem sido praticamente nula, não somente por desinteresse do poder público como também por uma visível omissão do cidadão.

Ademais, em face do distanciamento entre o formulador do orçamento e o cidadão, o documento, elaborado por especialistas, tem característica predominantemente autorizativa, ou seja, desvincula o Poder Executivo do exato cumprimento de metas, quase sempre direcionadas para aspectos quantitativos e sem muita relação com eficiência e efetividade. Prevalece assim o formalismo, o tecnicismo, a ausência de transparência e o afastamento da sociedade da discussão de seus direitos.

É possível reverter esse quadro, desde que a sociedade se articule melhor, atue sobre as ações dos agentes públicos e também que se combata a apatia do cidadão e a resistência do poder político em conviver com o público na definição das políticas de governo. Essa atuação pode ser viabilizada desde a elaboração do orçamento, ampliando-se para o campo das obras, compras de bens e até mesmo na contratação de serviços. O poder público precisa criar mecanismos simples para que qualquer cidadão possa ter voz no processo de gestão governamental, tanto na fase de concepção das políticas públicas quanto em sua própria execução.

A instituição de conselhos comunitários é medida que fortalecerá o controle social e a associação com órgãos de controle externo, como o Tribunal de Contas, que já está executando sua ação fiscalizadora com base nas informações fornecidas pelo contexto social e através de uma grande rede de controle.

Portanto, existem bases operacionais e condições para a manifestação direta da vontade popular e do amadurecimento da cidadania na elaboração do orçamento. Basta colocá-las em prática.

Fernando Guimarães é presidente do Tribunal de Contas do Paraná

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