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O excessivo conservadorismo do Copom, saudado pelo mercado financeiro, parece ignorar a desaceleração da velocidade de expansão dos níveis de atividade e o recuo das pressões inflacionárias

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) retomou as rodadas de elevação da taxa Selic, referência para a rolagem dos passivos mobiliários do setor público e para as operações interbancárias, ao longo de 2010. Esta subiu de 8,75% a.a., em abril de 2010, para 10,75% a.a. em julho, tornando o juro primário real brasileiro (5,3% a.a.) o maior do planeta, seguido pela China (2,4% a.a.) e pela Indonésia (2,2% a.a.). No encontro do fim de julho, o órgão promoveu subida de meio ponto porcentual e, curiosamente, o mercado aplaudiu, pois esperava 0,75 ponto.

Conforme inferências da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), os juros cobrados do consumidor e das empresas estariam acima de 122% a.a. e de 55% a.a., respectivamente, em julho de 2010. As modalidades mais caras para as pessoas físicas seriam cartão de crédito (215% a.a.), empréstimo pessoal das financeiras (210% a.a.) e cheque especial (135% a.a.). Para as entidades jurídicas, os maiores fardos provêm da conta garantida ou crédito rotativo (80% a.a.), situando-se as linhas para giro e desconto de duplicatas em 45% a.a.

Um ponto animador compreende o ainda não surgimento da instabilidade no retorno dos créditos devido à administração mais adequada das carteiras de débitos pelas famílias, com a permanente procura de feitura de permuta entre dívidas velhas e caras, hospedadas em cartões e em cheques especiais, por passivos menos onerosos, como o crédito direto e as linhas em consignação, com transferência automática da conta do mutuário para a do credor quando do depósito dos proventos.

O peso do "limite da conta-corrente" recuou de 64% para 34,4% dos empréstimos totais feitos pelas famílias no intervalo 2000-2010, sendo o menor patamar desde o começo da década, mesmo representando a maior modalidade de crédito para as pessoas físicas. Em paralelo, levantamento da Partner Consult revelou que a participação do cartão de crédito na cobertura do valor consumido pelas famílias brasileiras cresceu de 2% em 1995 para 30% em 2010.

Nesse sentido, o excessivo conservadorismo do Copom, saudado pelo mercado financeiro, parece ignorar a desaceleração da velocidade de expansão dos níveis de atividade e o recuo das pressões inflacionárias, registrado desde o mês de abril, ensejando a proliferação de suspeitas quanto ao caráter inócuo e oneroso, principalmente para as finanças governamentais, da orientação macroeconômica de impulsão dos juros.

Aliás, a desaceleração da velocidade de expansão do consumo familiar desde o 3.º trimestre de 2009, a estabilização da variação das compras governamentais abaixo de 1%, a par do extraordinário ganho de ritmo dos investimentos, a partir do segundo trimestre de 2009, sinalizam, de um lado, maior capacidade produtiva futura para atendimento da demanda e, de outro, chances concretas de revisão do aperto monetário.

Não bastassem esses constrangimentos conjunturais, a restauração de um padrão duradouro de crescimento econômico esbarra na negligência ou na insuficiente capacidade gerencial oficial com a necessidade de consolidação de um clima favorável aos negócios e de criação de arranjos institucionais adequados à devolução estrutural dos componentes de competitividade sistêmica do país, incluindo as reformas tributária e fiscal, o alinhamento cambial e a promoção da intensificação da concorrência no sistema financeiro.

Igualmente destacável é a ausência de ações mais incisivas voltadas à desobstrução dos gargalos em infraestrutura física – e da instituição de parâmetros consistentes para a participação da iniciativa privada, na forma de concessões ou de parcerias –, na produção de capital humano e na flexibilização das leis trabalhistas.

Além de inviabilizarem a obtenção de um ritmo chinês de crescimento, essas restrições colocam o Brasil em risco de ocorrência de um apagão logístico, sempre que a velocidade de crescimento da produção alcançar o teto de 5% a.a., definido pelos economistas como PIB potencial, cuja perenidade exigiria taxas de investimento ao redor de 25% do PIB, capazes de livrar o país das tênues fases de consumo.

Gilmar Mendes Lourenço, economista, é coordenador do Curso de Economia da FAE, conselheiro do Corecon/PR e autor do livro Conjuntura Econômica: Modelo de Compreensão para Executivos.

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