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A goleada de 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil já caiu no esquecimento – afinal, um ano se passou daquela fatídica semifinal da Copa do Mundo. Mas o mesmo não ocorre com o parcelamento especial lançado logo após o campeonato mundial, chamado de “Refis da Copa”. E, tal qual a partida no Mineirão, as razões não causam orgulho.

O Refis da Copa, instituído pelo artigo 2.º da Lei 12.996/14, nada mais foi do que uma nova reabertura do programa de parcelamento instituído pela Lei 11.941/09, conhecido como Refis da Crise, mas acrescida de algumas peculiaridades, como a exigência de uma entrada em porcentuais escalonados conforme o volume da dívida e a possibilidade de incluir débitos gerados até o fim de 2013.

Afora isso e a alusão ao torneio de futebol, as regras do programa de parcelamento são exatamente as mesmas desde 2009. Então, teoricamente, bastaria a adesão e o regular pagamento das prestações para os contribuintes não se preocuparem mais com as dívidas parceladas. Mas, infelizmente, a realidade tem se mostrado muito diferente.

As reais razões até agora são desconhecidas, mas os débitos parcelados continuam constando como se devedores o fossem nos cadastros da Receita Federal. Esta situação impede a emissão de certidão de regularidade fiscal, documento este imprescindível para muitas organizações, notadamente aquelas que participam de licitações ou que contratam com o poder público, ou as que necessitam de empréstimos em instituições financeiras públicas. A referida certidão – quando não existem débitos ou, então, quando estes se encontrarem suspensos por qualquer razão legal – é emitida eletronicamente através do site da Receita Federal e tem validade de 180 dias.

Tal qual na seleção brasileira de 2014, faltou trabalho de base e um esquema tático bem elaborado no Refis da Copa

Apesar de o artigo 127 da Lei 12.249/10 determinar expressamente que débitos incluídos em parcelamentos devem ser suspensos, desde o momento em que o contribuinte apresentar o pedido de adesão, segundo a Receita Federal, o efeito suspensivo será concedido apenas quando ocorrer a consolidação no programa.

Mas, para que o contribuinte não alegue prejuízos pela ausência da certidão, sem qualquer respaldo legal ou lógico, foi instituída uma complexa sistemática para a obtenção desta. Tal seja, sempre que necessitar de certidão, o contribuinte deverá agendar um horário de atendimento e levar consigo todos os documentos que comprovem a adesão e o regular pagamento das parcelas, para que então um servidor analise e forneça dito documento. Expirado o prazo de validade, deve-se repetir o procedimento. O que é um absurdo, principalmente levando-se em conta que os documentos que comprovam a adesão e a regularidade do pagamento são extraídos do próprio site da Receita Federal – ou seja, o órgão exige que o contribuinte apresente fisicamente documentos que a Receita já possui na forma eletrônica!

Além disso, a consolidação está levando anos para ocorrer, pois não são poucos os que aderiram ao Refis da Crise na sua primeira edição, em 2009, e até agora não foram chamados para consolidar a divida. Isso sem considerar que o atendimento agendado está levando semanas para ocorrer e que o comparecimento pessoal a uma unidade da Receita exige dispêndio de tempo, tanto dos contribuintes quando dos servidores públicos.

Mas as arbitrariedades não param por aí. Mesmo quando o contribuinte adota todos esses procedimentos, a emissão da certidão não é imediata. Apresentados os documentos – aqueles que se extrai do site da própria Receita –, abre-se uma espécie de processo administrativo, encaminhado a outro servidor público que analisará e “decidirá” se fornece ou não o documento. Assim, passam-se mais semanas e semanas. Ocorre que muitas vezes essa demora pode simplesmente significar a continuidade de uma empresa ou sua quebra, pois não são raras as situações em que um empréstimo bancário é a única saída para uma empresa em dificuldade ou, então, em que a contratação com o poder público é a única fonte de rendimento da organização. Por essa razão, está havendo uma enxurrada de medidas judiciais para se buscar algo que a rigor deveria ser extremamente simples: obter-se o documento de regularidade fiscal porque todos os débitos estão parcelados, tal qual determina a lei.

É de se deduzir que essa absurda sistemática foi implantada para evitar que contribuintes inadimplentes em seus parcelamentos continuem fazendo jus à certidão de regularidade fiscal, por serem os sistemas da Receita ineficientes para detectar tal situação de plano e promover a exclusão imediata do programa. O que se deve ao fato de primeiro lançar-se o benefício fiscal, e só depois pensar-se em como ele será operacionalizado!

Ou seja: tal qual na seleção brasileira de 2014, faltou trabalho de base e um esquema tático bem elaborado. Porém, nessa situação, lamentavelmente todos perdem: os contribuintes de boa fé, que estão pagando um alto preço pela mazela administrativa; e também a própria Fazenda, pois o engessamento de um procedimento que deveria se dar eletronicamente, e a consequente movimentação do aparto judiciário para fazer esta engrenagem rodar, tem um alto custo aos cofres públicos.

Rozi Monteiro Lourenço, advogada e contabilista, especialista em Legislação e Planejamento Tributário e em Planejamento e Gestão de Negócios, é diretora-executiva do Grupo SMBC.
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