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A Kantar Worldpanel, empresa internacional de consultoria, especializada em investigações de consumo domiciliar, apurou, no final de 2009, que as famílias brasileiras constituídas por jovens entre 12 e 19 anos estariam amargando déficit orçamentário mensal superior a 5%, enquanto que os lares desprovidos de tais membros conseguiriam poupar mais de 5% dos rendimentos.

Quando cotejada com a média do país, essa categoria (que representa 36% do total) gastaria 43% a mais com itens de vestuário e cerca de 10% adicionais com comunicação (telefone e internet), alimentação fora de casa, bebidas e consumo social (saídas com a galera). A renda e as despesas dessa fração suplantariam as das demais em 6% e 20%, respectivamente.

O perfil de gastos dos jovens é dominado por roupas e produtos de embelezamento (30% das despesas totais), pois a aparência é condição básica para a feitura e a multiplicação de relacionamentos, e alimentação em lanchonetes e shoppings (20%). O mais grave, porém, é que existem fortes indícios de que o consumo desenfreado dos jovens, mais por objeto de desejo e menos por necessidade concreta, seria um dos principais responsáveis pelo ciclo de endividamento e inadimplência maximizado no país em 2009.

O vigoroso incremento do consumo, verificado no Brasil desde 1994, repousa em raízes estruturais que conjugam modificações no país, com a abertura comercial, o encaixe na globalização produtiva e financeira, a desinflação trazida pelo plano real, a instituição do crédito consignado (com desconto em folha), a política de valorização do salário mínimo e a proliferação dos programas públicos de transferência de renda. Mais precisamente, deflagrou-se um processo de restauração do poder aquisitivo dos rendimentos que, gradualmente, resultou na superação da demanda reprimida por bens essenciais e não essenciais, subjacente a movimentos de ascensão social.

Particularmente no exercício de 2009, houve a interferência da política oficial, com o objetivo de minorar a crise financeira internacional no território nacional, por meio da adoção de estímulos fiscais (redução e/ou isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados para a compra de uma cesta de bens duráveis) e monetários (ampliação da oferta de crédito).

Porém, em um cenário de recuperação econômica e disseminação das facilidades de crédito e do uso do dinheiro de plástico (cartões), os jovens viraram presa fácil das grandes redes de varejo e das financeiras, viabilizando o retorno para as enormes cifras aplicadas por estas em publicidade e propaganda. O Brasil figura em 3.º lugar no ranking mundial de volume de cartões, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

Trata-se de um campo fértil para o uso indiscriminado dessa modalidade de operação, que deveria ser reservada para o pagamento de compras de maior valor, ou para as quais não são concedidos descontos à vista. De acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito, a população com idade entre 12 e 17 anos responderia por 12% do mercado. Não por acidente, conforme o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), 6% dos menores de 21 anos estariam com o nome sujo na praça, quadro que só não é pior devido ao socorro familiar.

A receita para evitar ou ao menos mitigar o endividamento precoce dos jovens passa pela educação financeira, produzida em ambientes públicos e privados. Na esfera pública, é necessário incorporar disciplinas atreladas ao planejamento orçamentário e às finanças domésticas nas matrizes curriculares do ensino fundamental e médio. No âmbito privado, especialmente no familiar, é necessária a orientação traduzida, sobretudo, na negociação e definição de prioridades, no controle de despesas, na imposição de limites e no fornecimento de exemplos.

Gilmar Mendes Lourenço é economista e coordenador do Curso de Economia da FAE Centro Universitário.

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