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Médicos com trajes de proteção atendem paciente de Covid-19 na unidade de tratamento intensivo de hospital em Moscou, Rússia, 17 de maio de 2020
Médicos com trajes de proteção atendem paciente de Covid-19 na unidade de tratamento intensivo de hospital em Moscou, Rússia, 17 de maio de 2020| Foto: Dimitar DILKOFF / AFP

Adriano Trevisan, de Vò, província de Pádua, teve um triste recorde: foi a primeira morte italiana de Covid-19. Ele morreu no início da epidemia, em 21 de fevereiro, aos 78 anos. Mas da autópsia solicitada pelo promotor de Pádua, e realizada em meados de maio, emergiria outra verdade: Trevisan tinha sérias doenças crônico-degenerativas prévias e, portanto, sua morte não seria diretamente atribuível ao vírus.

Uma conclusão que na realidade não é surpreendente: desde o início, tentamos explicar que o coronavírus estava fazendo o que normalmente fazem outros micro-organismos como o vírus da influenza ou da pneumonia bacteriana em pessoas que são debilitadas, frágeis, com patologias graves.

No início da epidemia, o Istituto Superiore di Sanità [Instituto Superior de Saúde italiano] tentou enfatizar que era necessário distinguir entre mortes por coronavírus e mortes com coronavírus, uma distinção fundamental. Mas o primeiro-ministro Conte imediatamente silenciou a alta administração do Instituto: essa distinção não deveria ser feita. O número de mortos teve de crescer, para aumentar o medo.

Hoje, graças ao resultado dessa autópsia, talvez a opinião pública entenda que foi enganada. Uma autópsia sempre foi uma solução para muitos dilemas. Há um ditado entre os médicos legistas que diz o seguinte: os mortos não mentem. As autópsias, se realizadas desde o início da epidemia, teriam imediatamente revelado qual era a maneira como o vírus age e danifica o organismo.

Quando finalmente foi realizado um número suficiente de investigações autópticas, surgiu um fato marcante: o primeiro efeito da Covid-19 é a coagulação intravascular disseminada (CID). Ou seja, a formação de "nódulos" no sangue e de tromboses. Somente mais tarde ocorre a pneumonia intersticial dupla.

Assim, entendemos que os tratamentos até então realizados em hospitais, baseados em ventilação mecânica em terapia intensiva, não eram decisivos. Ao contrário, como explicado pelo professor Valério De Stefano, professor titular de hematologia da Universidade Católica: inflamações em geral, infecções no sistema respiratório, hospitalizações e recuperações em terapia intensiva são fatores de risco para trombose.

Observando tudo isso, a heparina, um antigo medicamento anticoagulante que provou ser muito eficaz, começou a ser usado. A diminuição da mortalidade por Covid também se deve a esse ajuste da terapia que foi possível a partir de evidências elementares: se se conhece que tipo de dano o vírus causa, é possível impedi-lo.

Mas por que não foram feitas autópsias na Itália desde o início? Por que os cadáveres foram imediatamente enviados para cremações? A resposta é: porque o governo vetou. Está tudo claro na carta-circular Indicações de emergência relacionadas à epidemia de Covid-19 sobre o setor de funerais, cemitérios e cremações da Diretoria Geral de Prevenção da Saúde, assinada pelo Secretário-Geral Giuseppe Ruocco e enviada a todos os destinatários competentes da Proteção civil, à associação de Municípios, passando pela ordens de médicos e profissionais de enfermagem e farmacêuticos até as Regiões.

Trata-se de uma atualização, no início de maio, de regulamentos aprovados pelo mesmo órgão desde 22 de fevereiro e reiterados em 17 e 29 de março. No ponto C, intitulado Exames de autópsia e comparações de diagnósticos, lemos no parágrafo 1: “Durante todo o período da fase de emergência, autópsias ou comparações de diagnósticos não devem ser realizados nos casos confirmados de Covid-19, tanto se falecido durante internação em hospital, quanto se falecido em casa”.

Por que motivo “não devem ser realizadas” essas descobertas tão importantes? Deve-se enfatizar que, com a morte, as funções vitais cessam e o risco de contágio é bastante reduzido (de fato, a transmissão do vírus ocorre principalmente por gotículas e por contato) e que o paciente falecido, com a respiração e a mobilidade interrompidas, não é fonte de dispersão do vírus. vírus no ambiente. Então, que possíveis razões de precaução poderiam ter levado à proibição de autópsias? Nenhuma.

Além disso, a circular chegou ao ponto de limitar a intervenção da lei. De fato, no ponto 2, com referência a um possível interesse e intervenção do judiciário, é prescrito que “A autoridade judicial poderá avaliar, em sua própria autonomia, a possibilidade de limitar a avaliação a apenas a inspeção externa do cadáver em todos os casos em que uma autópsia não é estritamente necessária”. Obviamente, somente a inspeção externa não pode fornecer indicações precisas sobre a causa da morte.

Contudo, bastava fazer uma autópsia imediatamente ao primeiro falecido de Covid-19 para identificar imediatamente os melhores caminhos clínicos e terapêuticos, mas isso não foi feito. Um erro que pesou bastante nos números dessa epidemia.

Paolo Gulisano é um médico e escritor italiano.

© 2020 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano. Tradução: Rafael Salvi.
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