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Quando se pergunta como se explica a vergonha educacional numa das grandes potências econômicas do mundo, a resposta está na preferência brasileira pelo topo da sociedade, não pela base. Cuidamos mais das universidades do que do ensino de base.

Um exemplo é que a quase totalidade dos que defendem cotas raciais para ingresso na universidade não lutam pela abolição do analfabetismo, nem pelo aumento no número dos jovens negros que terminam o ensino médio. Outro exemplo é o Brasil se preocupar com ter apenas 13% dos jovens de 18 a 24 anos – a chamada idade universitária – cursando a universidade, sem considerar que pouco mais de um terço dos alunos que se matriculam na primeira série do ensino fundamental conseguem concluir o ensino médio. Hoje, o número de vagas para ingresso na universidade é de 2,8 milhões, maior do que o número dos que terminam o ensino médio, 1,8 milhão. Mas as mobilizações são pelo aumento de vagas na universidade, e não pela conclusão do ensino médio.

O resultado é uma universidade sem base: os alunos entram sem condições de seguir plenamente o curso que escolheram e sem a base complementar ao conhecimento específico de seu curso. As universidades sofrem um dilema: ficar com vagas ociosas ou ter alunos incapazes de seguir plenamente o curso. O ensino médio sem qualidade puxa a qualidade do Ensino Superior para baixo.

A grande fraude do Enem – que serviria como vestibular – não foi o vazamento das provas, está nos resultados do Enem que avalia a qualidade do ensino médio no Brasil. Termos notas tão baixas no Enem é uma fraude maior do que o roubo das provas do exame. E é importante lembrar que essas notas medem somente o desempenho dos alunos que concluem o ensino médio, sem considerar os que ficam para trás. A fraude das fraudes é termos quase dois terços das nossas crianças e jovens sem conseguir completar o ensino médio. A maior fraude não está na ilegalidade da quebra do sigilo das provas, mas no péssimo desempenho dos que passam pelo Enem. E entre os que concluíram, poucos receberam educação básica com qualidade. Quase universalizamos as matrículas nas primeiras séries do ensino fundamental, mas desprezamos a presença, a permanência e o aprendizado até o final do ensino médio.

Mas esta grande fraude – a exclusão dos jo­­vens e as baixas notas do Enem – não importava para a opinião pública, até que ela ameaçou a lisura da seleção para entrar na universidade. Enquanto o Enem não estava vinculado ao vestibular, a grande fraude era invisível.

Se a solução para a fraude menor está em melhorar a preparação das provas, incluindo o sigilo; a fraude maior só será superada com uma revolução na educação de base. Entre as ações necessárias, estão a criação de uma Carreira Na­­cional do Magistério e a execução de um Programa Federal que assegure horário integral a todas as escolas, com professores bem formados, dedicados, bem-remunerados e com acesso aos mais modernos equipamentos. Os professores seriam selecionados em concursos federais e teriam salários pagos pelo governo federal. A qualificação das edificações e dos equipamentos seria financiada e fiscalizada com recursos federais.

Felizmente, a sociedade começa a despertar: o movimento "Todos pela Educação" reúne empresários; o "Pacto pela Educação", promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) reúne cientistas; o "Movimento Nacional pela Educação" reúne os maçons; o "Movimento Educacionista" reúne principalmente os jovens. São movimentos de um Movimento.

Cristovam Buarque é senador e professor da Universidade de Brasília (UnB)

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