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Entre nós, o debate sobre a importância, ou não, dos partidos políticos é extenso e antigo. Os diagnósticos mais pessimistas sublinham o número excessivo de partidos nas disputas eleitorais (e no Parlamento), a ausência de consistência ideológica das agremiações e as altas taxas de migração e de infidelidade partidária nas votações congressuais, além do seu baixo enraizamento na sociedade. No que diz respeito às eleições, a literatura nacional segue o consenso mundial de que os meios de comunicação de massa têm substituído as agremiações partidárias no processo de difusão de informações políticas. Mas esse não é o único indicador para se avaliar a questão da força ou fraqueza dos partidos políticos.

Na arena legislativa há evidências importantes quanto ao perfil e papéis dos partidos. Levantamentos empíricos feitos por Argelina Figueiredo e Fernando Limongi sustentam que há um padrão identificável na atuação das bancadas na Câmara Federal. Eles constataram que, "a despeito do que se passa na arena eleitoral, os partidos contam e atuam de maneira disciplinada no Congresso brasileiro". O percentual de votação das bancadas de acordo com a recomendação do líder do partido (índice de disciplina partidária) é de cerca de 89%, e está nos mesmos patamares dos parlamentos de democracias consolidadas. Vale lembrar que a votação da emenda constitucional que pôs fim à verticalização foi a primeira em muitos anos em que toda a bancada do PMDB na Câmara Federal votou unida. Com isso, alguns analistas concluem que os resultados das votações congressuais são bastante previsíveis, o que sugere a existência de um elevado grau de coerência ideológica e unidade partidária no Brasil. Exatamente o contrário do que se imagina.

Pesquisa de Leôncio Martins Rodrigues sobre a composição social das bancadas dos seis principais partidos na Câmara dos Deputados (PPB, PFL, PMDB, PSDB, PDT e PT) durante a 51.a Legislatura (1999-2003) demonstrou "uma relação consistente e coerente entre os meios sócio-ocupacionais de recrutamento partidário e as orientações político-programáticas dos partidos na escala ideológica direita-centro-esquerda". Isto é: empresários nos partidos de direita; profissionais liberais nos partidos de centro; assalariados nos partidos de esquerda.

A evidência segundo a qual os partidos brasileiros possuiriam perfis ideológicos mais definidos foi corroborada por análises não tão recentes. As correntes de opinião no Congresso Nacional, quando confrontadas com grandes questões – a "política de privatização", por exemplo – são congruentes com a divisão canônica: partidos de esquerda (PT e PDT) foram contra; partidos de direita (PFL, PPB, PTB) foram aberta ou moderadamente a favor. Outra evidência, ligada à melhor forma de governo (autoritarismo ou democracia) e ao grau de autonomia desejável dos militares, registrou diferenças importantes entre "partidos conservadores" e "partidos não-conservadores".

Se essas descobertas nos autorizam a desconfiar dos prognósticos mais cinzentos sobre o futuro do sistema partidário brasileiro, a temática da representação política merece, contudo, ser colocada numa perspectiva mais ampla.

Ainda que os partidos contem de fato (na relação entre o executivo e o legislativo, nas votações do Congresso Nacional, no processo de recrutamento da elite política etc.), eles não são instituições apartadas do sistema global de representação de interesses.

Aqui vale um comentário sobre o conteúdo da Proposta de Emenda Constitucional 548/02. Se os partidos mostraram unidade em torno de um tema tão controverso como o da questão das alianças eleitorais, é preciso lembrar que o fim da verticalização beneficia, principalmente, as elites políticas regionais e seus interesses paroquiais e de curto prazo. Isso contraria a idéia de fortalecimento das organizações partidárias em nível nacional. Na direção inversa, estimula a segmentação a partir de interesses locais e reforça a posição dos mandões.

Uma das formas de se obter o fortalecimento de fato dos partidos políticos como agremiações acima dos interesses mais imediatos das elites políticas que os controlam seria, justamente, através da verticalização, e não o oposto. Como se percebe, a emenda constitucional pode enfraquecer ainda mais os partidos nacionais no que diz respeito à arena eleitoral (ainda que os fortaleça junto à elite política).

Em função disso, precisamos considerar que há dois tipos de constrangimentos que concorrem para sabotar o processo de institucionalização dos partidos políticos. Há os constrangimentos de tipo institucional e os constrangimentos de tipo societal.

Parte dos estudos de Ciência Política enfatiza os efeitos inibidores do federalismo, do sistema de governo (presidencialismo) e do sistema eleitoral (voto proporcional e listas abertas) sobre o sistema partidário. Uma outra parte menciona, em graus variados, o personalismo das lideranças, o clientelismo eleitoral e os recursos de patronagem mobilizados pelos ocupantes de cargos no executivo. O fim da verticalização é mais uma variável a contar nessa difícil equação.

Adriano Nervo Codato é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Emerson Urizzi Cervi é doutorando em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

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