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Julgamento dos primeiros réus do 8 de janeiro teve início nesta quarta-feira (13).
Julgamento dos primeiros réus do 8 de janeiro teve início nesta quarta-feira (13).| Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Os sommeliers, sobretudo os de vinho, embora possam participar dos processos de escolha, compra e administração da adega, são mais conhecidos por serem especialistas na prova e avaliação das bebidas alcóolicas. Durante a pandemia, surgiu o termo pejorativo “sommelier de vacina”, para designar às pessoas que analisavam as composições dos imunizantes, sua procedência, os possíveis efeitos colaterais de cada uma, e faziam uma análise de risco para não saírem injetando, aleatoriamente, substâncias experimentais em seus próprios corpos.

Recentemente, iniciaram-se os julgamentos dos primeiros réus acusados dos vandalismos ocorridos em 8 de janeiro em Brasília. Os julgamentos foram transmitidos em rede nacional e todos os acusados tiveram penas altíssimas. Contudo, apesar de embates acalorados entre o relator, ministro Alexandre de Moraes, e o ministro André Mendonça, por exemplo, o que mais chamou a atenção nos julgamentos foi a postura dos defensores.

Não bastasse o vilipêndio das redes sociais, da imprensa e de outros colegas advogados, ainda no julgamento os defensores foram confrontados por seus julgadores.

O primeiro deles, Sebastião Coelho, desembargador aposentado do TJDFT, iniciou seu discurso afirmando que aquele era um julgamento político. Em determinado momento de sua manifestação, chegou a dizer que os membros da Suprema Corte eram as pessoas mais odiadas do país. O segundo advogado está sendo massacrado pela mídia e redes sociais pelo simples fato de haver confundido as obras O príncipe, de Maquiavel, com O pequeno príncipe de Antoine de Saint-Exupéry. Erro perfeitamente entendível, assim como foi a gafe cometida por José Eduardo Cardozo, quando citou, no julgamento de impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, o jurista “Thomas Turbando Bustamante”. A diferença é que o erro do ex-ministro petista foi escusado.

A última advogada a falar nos julgamentos no Supremo Tribunal Federal disse que estava nervosa por ser sua primeira sustentação oral, e chorou ao relatar o caso do seu cliente. Imediatamente, começaram a pipocar nas redações dos jornais da velha imprensa e nas redes sociais críticas aos trabalhos desenvolvidos pelos defensores. Inclusive, muitas dessas críticas feitas por colegas advogados com déficit ético.

Alguns se arvoram dizendo que o defensor deveria ter agido desta ou daquela maneira, como se o simples fato de um causídico ter coragem de se colocar à frente da Corte Suprema, em audiência amplamente televisionada, e em um processo sabidamente desequilibrado, já não seria mérito suficiente. A estes críticos somente cabe a alcunha de “sommeliers de sustentação oral”, com a diferença de que um verdadeiro sommelier entende daquilo que fala.

Sabemos muito bem que os maldosos comentários não são propriamente pelas atuações dos causídicos, mas por quem eles defendem.

Na minha terra natal, o Pará, temos um adjetivo muito próprio para esse tipo de pessoa: “piciqueiro”. Que é a pessoa que pouco ou nada sabe sobre determinado assunto, mas insiste em opinar, dar “picica”. Entretanto, sabemos muito bem que os maldosos comentários não são propriamente pelas atuações dos causídicos, mas por quem eles defendem.

Parece-nos que, no entendimento desses críticos, as pessoas ali julgadas não são seres humanos ou sujeitos de direitos. Todavia, o mais preocupante é que, esse parece ser também o entendimento da Corte Suprema, que, aplicando penas altíssimas, condena pessoas pela atitude de outras, sob o argumento do cometimento de “crimes multitudinários”, em um processo repleto de irregularidades e nulidades.

E digo isso porque não foi apresentado nos três primeiros julgamentos nenhuma foto, vídeo ou testemunha que tenha presenciado algum dos três condenados depredando os prédios da República, em clara afronta ao princípio constitucional do in dubio pro reo. Ademais, não bastasse o vilipêndio das redes sociais, da imprensa e de outros colegas advogados, ainda no julgamento os defensores foram confrontados por seus julgadores. O relator teceu críticas a TODOS os advogados que utilizaram a tribuna. Muitas delas absolutamente desrespeitosas, e, em alguns casos, teve seus comentários depreciativos validados por outros ministros.

A Ordem dos Advogados do Brasil não tardou em defender a Suprema Corte. Atendendo a manifestação do ministro Alexandre de Moraes, que afirmou, no primeiro dia de julgamento, que “(...) a OAB não deveria permitir isso”, a Ordem enviou ofício ao STF, manifestando sua subserviência ao Poder Judiciário. O documento foi entregue ao ministro relator pelo procurador nacional das prerrogativas do CFOAB, Alex Sarkis, cumprindo serviço de estafeta do presidente da OAB, Beto Simonetti, e lido pela presidente ministra Rosa Weber ao final do segundo dia de audiências.

Com tudo isso, porém, graças a Deus ainda temos entre nós juristas respeitáveis, e que reconhecem o papel da advocacia para um Estado de Direito. O maior deles, Ives Gandra Martins, através de vídeo postado em suas redes sociais, realizou o desagravo dos patronos vilipendiados e relembrou à Ordem dos Advogados do Brasil seu papel institucional.

Ainda não há previsão para os próximos julgamentos, mas fazemos votos de que seja garantido aos advogados a possibilidade de fazer a defesa dos seus clientes da forma como desejarem, sem que sejam censurados previamente, com a realização de julgamentos em plenário virtual, ou posteriormente, pelos sommeliers de sustentação oral.

Ezequiel Silveira é advogado criminalista e membro do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR).

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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