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Para quem está em atraso com o recolhimento de tributos, o problema acaba de ser elevado à categoria de preocupação mais séria. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça pode, na prática, levar milhares de inadimplentes a uma posição comparável à de sonegadores. Agora é considerado crime o fato de o contribuinte não recolher o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em suas operações, conforme decisão tomada pela 3.ª Seção do STJ no Habeas Corpus 399.109, em 22 de agosto, pelo placar de seis votos a três.

A matéria não está relacionada ao crime de sonegação fiscal ou fraude, hipótese em que o contribuinte omite informações do Fisco para deixar de efetuar o recolhimento do tributo. No caso analisado, trata-se de imposto informado normalmente à fiscalização, mas sem o devido recolhimento aos cofres públicos (ou seja, inadimplência).

O julgamento é de extrema relevância e gera muita preocupação no âmbito jurídico e empresarial

O voto do relator, ministro Rogério Schietti Cruz, enquadrou o mero inadimplemento do ICMS como crime de “apropriação indébita”, previsto no artigo 2.º, II, da Lei 8.137/1990, com pena de detenção de seis meses a dois anos. Cruz alegou que o ICMS é exigido do consumidor por meio da nota fiscal e que, se não repassado ao Estado pela empresa, estaria configurado o crime – desde que haja dolo em agir de tal forma.

O julgamento é de extrema relevância e gera muita preocupação no âmbito jurídico e empresarial. Afinal, trata-se de um recente posicionamento que, com certeza, irá ainda gerar muita discussão e embates nos tribunais, tendo em vista o grande número de inadimplência tributária no país, bem como a responsabilidade pessoal dos administradores das empresas.

Sob o ponto de vista jurídico, a decisão merece ser contestada. O tipo penal aplicado (“apropriação indébita”) não abrange a situação dos contribuintes que se encontram em mero inadimplemento fiscal, ocasião em que fizeram todas as obrigações de declarar a operação ao Fisco, mas não recolheram o tributo em momento posterior. O crime ocorre em outras situações específicas, como nas hipóteses em que a empresa retém a contribuição previdenciária (INSS) do salário dos empregados e, eventualmente, não a repassa aos cofres públicos, isto é: apropria-se do tributo retido/descontado de outro contribuinte, quando deveria repassá-lo ao Estado.

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Leia também: O ativismo judicial em ação (artigo de Rodrigo Cunha Ribas, publicado em 19 de fevereiro de 2018)

Aliás, ao analisar a própria Lei 8.137/1990 e o projeto de lei que lhe deu origem (4.788/1990), é possível perceber que essa discussão a respeito da configuração do crime já tinha sido realizada desde o princípio da tramitação. Ao votar a redação da lei no Congresso Nacional, tentou-se prever especificamente a ocorrência do crime de “apropriação indébita” sobre o mero inadimplemento fiscal, nas exatas palavras sugeridas à redação: sobre o não recolhimento de “tributo ou contribuição recebido de terceiros através de acréscimo ou inclusão no preço de produtos ou serviços e cobrado na fatura, nota fiscal ou documento assemelhado”. Porém, manteve-se a redação atual, que prevê a caracterização do crime somente quando do não recolhimento do “tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado”.

Portanto, percebe-se a clara intenção do legislador em tipificar o crime apenas nas hipóteses em que há a retenção/desconto do tributo, como na hipótese da retenção em folha dos empregados. Neste sentido, não pode o Poder Judiciário interpretar a redação da lei a ponto de distorcer a própria razão pela qual fora criada, sob pena de invadir o campo que compete apenas ao Poder Legislativo.

Lucas Tavares dos Santos é advogado tributarista.
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