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É inacreditável que, apesar de todas as evidências de que o PAC I não foi cumprido nem pela metade, a ministra Dilma, no apagar das luzes de seu vice-reinado, resolva juntar um conjunto de projetos desconexos e sem qualquer costura estratégica com o futuro

Conta a lenda que o presidente de uma empresa, ao tomar posse, recebeu de seu antecessor três envelopes, com a recomendação de abri-los se enfrentasse alguma crise no futuro. Tempos depois, as coisas se complicaram, as metas não foram cumpridas, os resultados não se aproximaram nem de perto dos que haviam sido prometidos aos acionistas e o presidente se lembrou dos três envelopes. Abriu o primeiro e lá estava o conselho: "culpe seu antecessor". Dito e feito: todos os problemas nada mais eram do que uma herança maldita, nunca antes na história da empresa uma administração tinha tido de enfrentar tantos desafios e desfazer tantos malfeitos... e assim por diante. Santo remédio. Os acionistas se convenceram de que as culpas recaíam todas sobre os ex-administradores, deram uma trégua nas críticas, o ambiente interno ficou mais sereno e a vida continuou.

Acontece que os resultados não melhoraram, ao contrário, e continuaram a desgostar os acionistas, que voltaram a murmurar contra o presidente da empresa. De novo, ele se lembrou dos envelopes, pois, afinal, o conselho contido no primeiro deles havia sido providencial. Abriu o segundo e lá estava a recomendação: "anuncie um novo plano". Dito e feito de novo. Um novo plano foi anunciado com pompa e circunstância, todos os erros do plano inicial teriam sido corrigidos, e agora sim as coisas deslanchariam. Curiosamente, as metas haviam sido revisadas, não para baixo como fariam os ingênuos e os idiotas da objetividade; mas para cima, pois agora havia razões para redobrar a confiança nos executivos da empresa. Alguns acionistas começaram a fazer perguntas embaraçosas sobre o nível de preparação para executar o novo plano, mas receberam uma resposta curta de que essas coisas eram detalhes, que seriam tratados no momento certo... De novo, as coisas pareceram se ajustar. Alguns acionistas, agindo como o sujeito que se casa pela segunda vez, o que – segundo Bernard Shaw – demonstra o triunfo da esperança sobre a experiência, até ficaram entusiasmados com as novas perspectivas, enquanto outros se calaram prudentemente para não parecer pessimistas.

Ocorre, porém, que os resultados não melhoram e os murmúrios e muxoxos de descontentamento recrudesceram. A capacidade do presidente agora era colocada abertamente em dúvida, mas ele não se abalou, confiante em uma última arma para reverter a crise: o terceiro envelope. Abre-o e lá está o conselho: "escreva três envelopes"...

A ministra Dilma Roussef abriu o seu segundo envelope quando lançou o PAC 2. É inacreditável que, apesar de todas as evidências de que o PAC I não foi cumprido nem pela metade, ela, no apagar das luzes de seu vice-reinado, resolva juntar um conjunto de projetos desconexos e sem qualquer costura estratégica com o futuro que se espera para o país, colocar um nome fantasia, juntar a imprensa e os políticos, e apresentar solenemente o PAC 2. O mais irônico é que, depois de quase meio século da introdução no Brasil da obrigatoriedade dos estudos de viabilidade e dos projetos finais de engenharia para que um plano governamental pudesse ser digno desse nome, a grande maioria dos projetos do tal PAC 2 não tem nada disso. Voltamos aos tempos em que a metodologia preferida pelos políticos para a seleção das obras públicas e investimentos governamentais era o chamado "Sistema AZ", o A Zóio! Parece anedota, que um smogasbord de ideias desencontradas seja apresentado como um programa de governo. Seria anedota se não custasse quase 1 trilhão e R$ 600 bilhões.

Já que estamos mexendo com fábulas e parábolas, não custa sugerir que o PAC 2 da ministra Dilma seja rebatizado como PACC 2, o "Programa a la Cristóvão Colombo 2". Como se sabe, o ilustre navegador genovês quando saiu não tinha a menor ideia de para onde estava indo. Quando chegou, não sabia onde havia chegado. E tudo por conta do governo...

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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