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O pacote de providências de socorro ao setor agrícola, anunciado pelo ministro Roberto Rodrigues, ataca, de forma pontual e insuficiente, alguns problemas emergenciais, em atendimento parcial aos pleitos manifestados pelos produtores rurais. Ao mesmo tempo, o conjunto de medidas revela timidez e reduzida consistência nas propostas para a remoção dos obstáculos estruturais à preservação da renda das atividades do agronegócio.

Dentre as ações mais imediatas lançadas, destacam-se a alocação de aproximadamente R$ 10 bilhões para o adiamento do prazo de pagamento das dívidas de custeio da safra 2005/2006 por quatro anos, com um ano de carência, mantidos os juros de 8,75% ao ano. Houve também a autorização de refinanciamento por cinco anos, das parcelas vencidas em 2005 e 2006 do Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa), e do Recoop (cooperativas), para os produtores adimplentes até dezembro de 2004, com juros de 8,75% a.a. e prazo de 180 dias para a solicitação da rolagem. Na linha de capital de giro, foi definida a elevação de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) rural de R$ 2 bilhões para R$ 4 bilhões para suprimento da demanda de produtores e fornecedores.

O governo anunciou ainda a oferta de um volume de R$ 60 bilhões para a safra 2006/2007 (sendo R$ 50 bilhões para a agricultura comercial e R$ 10 bilhões para a familiar), o que representou acréscimo de 12,5% frente ao ano agrícola anterior (+13% comercial e +11% familiar). Para custeio e comercialização serão alocados R$ 41,4 bilhões, 25,0% acima das cifras de 2005/2006, sendo R$ 31,5 bilhões a juros de 8,75% ao ano e o restante a preços de mercado.

Já o montante de crédito para investimento declinou 23%, devendo atingir R$ 8,6 bilhões, apesar do expressivo recuo dos juros no Finame Agrícola (de 13,95% a.a. para 12,35% a.a., do Prodeccop (de 10,75% a.a. para 8,75% a.a.) e do Moderfrota, estipulados conforme os patamares de renda dos produtores e incorporando a possibilidade de aquisição de equipamentos usados.

No terreno dos incentivos estruturais, o ministro acenou com a realização dos leilões de prêmio de risco de opção privada, antes do começo do plantio da safra, com recursos inferiores a R$ 3 bilhões. Haveria ainda a preparação da instituição de um Fundo de Catástrofes, com gestão privada de haveres públicos e privados a ser discutida e aprovada pelo Congresso Nacional.

Em sentido semelhante seria criada, por intermédio de resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), uma poupança com isenção tributária na realização de saques em situações de crise. Ocorreria também a isenção dos impostos de importação de insumos e matérias-primas nas transações de drawback (importação para reexportação) e do Imposto de Renda sobre os rendimentos dos títulos agrícolas.

Um exame preliminar do elenco de decisões desautoriza o delineamento de expectativas mais otimistas quanto ao futuro das cadeias produtivas atreladas à área rural. Isso porque, na arena das emergências, o governo deixou de fora os inadimplentes, devido às restrições jurídicas impostas pela presença de produtores nas listas do Cadin e da dívida ativa da União, e a esmagadora maioria dos fornecedores, os quais possuem créditos superiores a R$ 30 bilhões com os produtores, o que representa mais de 60% dos passivos rurais.

Houve também completa omissão oficial na revitalização da política de preços mínimos, na securitização de dívidas, semelhante à prática adotada em 1995 (emissão de papéis com aval do governo federal), na desoneração do óleo diesel (cujo preço carrega quase 50% de tributos) e na modificação da política cambial. Lembre-se aqui, que a cotação do dólar abaixo de R$ 2,70 faz o Brasil abdicar da luta pela obtenção da condição de maior exportador mundial de alimentos, por conta da insuficiente geração de renda para utilização final em investimentos e da não-cobertura das despesas operacionais com máquinas, insumos e mão-de-obra pelos produtores.

No campo da sinalização de longo alcance, o Executivo perdeu mais uma oportunidade de começar a estruturar um novo arcabouço institucional para o setor, em lugar dos desgastados Planos de Safra, esquecendo que a grande bandeira defendida pelos representantes do segmento rural é "estabilidade, transparência e garantia das regras do jogo", dado que da porteira da fazenda ou da porta da fábrica para dentro tudo se resolve.

Não houve também qualquer insinuação acerca do cumprimento da obrigatoriedade de canalização de 25,0% dos depósitos à vista dos bancos comerciais para empréstimos ao setor, do combate ao dumping internacional, da isonomia com prazos e juros externos, do enfrentamento das deseconomias externas, sobretudo do sucateamento da infra-estrutura, dos programas de profissionalização dos produtores, dentre outros aspectos relevantes.

Nessas circunstâncias, parece razoável admitir que as saídas apresentadas pelo governo para a crise do segmento agrícola exibem um caráter essencialmente político, na direção da desmobilização dos movimentos de protestos e reivindicações realizados pelos produtores durante o ciclo eleitoral.

Gilmar Mendes Lourenço é economista e coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE – Centro Universitário.

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