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Foram muitas as combinações de conflitos na região da Palestina histórica desde a fundação do Estado de Israel, em 1948: israelenses x árabes; árabes x palestinos; israelenses x palestinos; israelenses x israelenses; palestinos x palestinos... Esta última disputa, aparentemente sem sentido para um leigo, é a que se apresenta neste exato instante na Faixa de Gaza, opondo Fatah e Hamas, dois grupos palestinos.

O Fatah, movimento nacionalista palestino, foi fundado no Kuwait, por Yasser Arafat, em 1959 (dez anos depois do fim da primeira guerra árabe-israelense, quando o Estado Palestino foi invadido por israelenses, egípcios e jordanianos). Esse grupo se tornaria, nos anos 60, o núcleo principal da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), cujo objetivo anunciado era a destruição completa do Estado de Israel. Mesmo não escondendo suas opções armadas para "negociar", em 1974, Arafat (líder da Organização desde 1969) discursou na ONU e conseguiu que a OLP fosse reconhecida como a representante legítima do povo palestino.

Em 1986, porém, com uma postura oficial muito mais flexível e diplomática, Arafat anunciou que a OLP abriria mão da totalidade da região da Palestina histórica como Estado Palestino. A Organização prometia reconhecer o Estado de Israel desde que o Estado de Israel também reconhecesse o Estado Palestino em Gaza e Cisjordânia. Reivindicava também o lado leste de Jerusalém (de maioria árabe) como capital desse Estado palestino.

Essa mudança de objetivo resultaria em uma cisão palestina: alguns grupos, como o Fatah, acataram a nova orientação da OLP; outros se tornaram dissidentes e passaram a acusar os grupos fieis à orientação da organização de traidores da causa palestina e mantiveram a postura extremista de destruição do Estado de Israel. Esse é o caso, por exemplo, da Frente Popular de Libertação Palestina (FPLP), composta, na sua origem, por cristãos ortodoxos.

Fora os dissidentes da OLP, outro grupo passou a se destacar: o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica). Fundado em 1988 por Ahmed Yassin, foi, em princípio, incentivado por Israel, que o enxergava como uma alternativa para enfraquecer a OLP. Tinha um caráter assistencial, com atendimento médico, educacional e de amparo à população carente palestina. Essa prática filantrópica se mantém até hoje, o que certamente coloca esse movimento mais próximo do povo. Com o passar dos anos, o Hamas mostrou-se também como um grupo de combate que prega a destruição de Israel.

Em 1993, Yasser Arafat e Yitzhak Rabin (então primeiro-ministro de Israel, do Partido Trabalhista) assinaram o Acordo de Oslo e criaram a Autoridade Nacional Palestina (ANP), organização concebida para ser um governo de transição até o estabelecimento do Estado Palestino independente na Faixa de Gaza e nas cidades de maioria árabe (cerca de 40%) da Cisjordânia.

Apesar do acordo, salvo em breves momentos de paz, a situação recrudesceu por conta dos opositores ao acordo. Além dos atentados de grupos palestinos (Hamas, Jihad Islâmica, FPLP) – muitos deles suicidas – contra alvos israelenses, os partidários do projeto da "Grande Israel" (anexação definitiva dos territórios ocupados pelo exército de Israel na Guerra dos 6 dias, em 1967) buscaram ao máximo impedir que as decisões de 1993 se concretizassem. Em 1995, Rabin foi assassinado por um estudante judeu ortodoxo que se opunha à retirada de Israel da Cisjordânia.

Em setembro de 2000, em uma nítida provocação aos palestinos, o general Ariel Sharon foi visitar o Monte dos Templos (Esplanada das Mesquitas para os muçulmanos), no lado leste de Jerusalém. Graças a esse ato, teve início um levante que os jornais passaram a chamar de "a nova intifada" (em referência ao levante de jovens palestinos dos anos 80). Nas eleições de 2001, Sharon tornou-se primeiro-ministro e, como partidário do projeto da "Grande Israel", tratou logo de criar mecanismos para manter o controle sobre toda a região da Palestina histórica.

Dentre esses mecanismos, Sharon iniciou a construção de um muro na Cisjordânia com o argumento legítimo de proteger os cidadãos israelenses dos ataques suicidas (autodefesa). Contudo, a separação física, em lugar de oferecer uma legítima proteção contra o terrorismo, semeou ainda mais o ódio ao adentrar profundamente na Cisjordânia. Tornou ainda mais insuportável a vida de dezenas de milhares de pessoas que, por sua vez, passaram a ver no terrorismo a única saída.

Outro feito de Sharon foi expulsar da Faixa de Gaza 8 mil colonos israelenses, muitos deles nascidos naquela região, em uma operação militar que foi equivocadamente entendida como uma tentativa de se devolver a terra aos palestinos e, com isso, obter a paz. Com essa estratégia, Sharon camuflou a intenção de ter um controle muito mais preciso da Faixa de Gaza, incluindo o terrestre, o marítimo e o aéreo. Sem contar o flagrante desrespeito ao povo judeu que foi convidado pelo governo de Israel, nos anos 70, a ocupar essa região e lá construiu escolas, sinagogas, hospitais, cemitérios...

Nas primeiras eleições parlamentares da ANP, a profecia dos colonos expulsos de Gaza se concretizou. Acuado, cercado e generalizado como terrorista, o povo palestino elegeu o Hamas, que fez Ismail Haniyeh primeiro-ministro. As evidências de corrupção dentro do Fatah também contribuíram para essa conquista de Haniyeh.

Obviamente Israel não reconheceu a vitória do Hamas (afinal o grupo prega a sua destruição) e, em conjunto com a União Européia e os EUA, passou a boicotar o parlamento palestino eleito. Nas palavras de Robert Fisk (jornalista britânico do "Independent"): "o sábio e bondoso Ocidente reage com a decisão de impor sanções contra eles, usando a fome como forma de pressão por terem ousado exercer sua liberdade nas urnas".

Eleito presidente da ANP, em 2005, depois da morte de Yasser Arafat, Mahmoud Abbas, do Fatah, acaba de perder o controle de Gaza para o Hamas após dias de guerra civil e dezenas de mortos. Da Cisjordânia, onde ainda mantém o controle, decretou estado de emergência e destituiu o parlamento.

Convenientemente o problema não diz respeito a Israel. E o "círculo vicioso" do extremismo não aponta para uma saída que efetivamente gere paz para as futuras gerações.

Luciana Worms é professora de geopolítica do Curso Positivo.

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