• Carregando...

Como governador, como pai, como ser humano, fiquei chocado diante do assassinato de Ana Cláudia Caron, em Curitiba. Dois adolescentes são acusados pelo crime. Queriam roubar seu carro e pretendiam comprar drogas, diz a polícia. A morte da estudante é um desses episódios em que se assiste a uma manifestação do horror em estado puro – uma violência devastadora e descontrolada que não é possível explicar racionalmente.

A dor pela perda de uma pessoa querida não pode ser resumida a uma estatística nem a uma tese sociológica. Cada ser humano é único e insubstituível em sua presença e sua personalidade. Mas, infelizmente, nós sabemos que a morte de Ana Cláudia não é um caso isolado. No início do ano, um menino de 8 anos, João Hélio, foi arrastado até a morte pelas ruas do Rio de Janeiro. Há pouco mais de três anos, uma adolescente e seu namorado foram assassinados quando acampavam na periferia de São Paulo.

Foram crimes cruéis, cometidos por jovens que tem discernimento para separar o certo do errado.

É óbvio que a má distribuição de renda, a ausência de oportunidades e, especialmente, os altos índices de desemprego, ajudam a entender o crescimento da criminalidade entre adolescentes. Mas estou convencido de que vivemos sob um regime de impunidade automática, que também colabora para essa tragédia, ao não permitir o tratamento diferenciado e por mais tempo a jovens excepcionalmente violentos.

Como têm menos de 18 anos de idade, diz a legislação atual, jamais serão condenados a uma punição. Irão cumprir medidas socioeducativas e, ao final de três anos, no máximo, terão direito à liberdade. Quando completam 21 anos, ganham direito automático à voltar para as ruas, qualquer que seja o crime cometido.

Há tempos se debate, no Brasil, a redução da maioridade penal. É uma mudança complexa, de duvidoso efeito prático, que divide o país e só poderia ocorrer após uma reforma constitucional. Certa ou errada, esta medida não se encontra no horizonte das decisões práticas, de alcance imediato.

A alternativa não é cruzar os braços, a espera do próximo ato de crueldade. É possível a partir do Congresso uma mudança importante, no artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente. É ali que se limita o tempo de privação de liberdade a três anos – e se garante a liberdade depois dos 21. Defendo que o período de internação possa ser ampliado para até dez anos, a serem cumpridos em local especial, assegurando-se o acompanhamento permanente de um juiz, com novas medidas favoráveis à recuperação e ao respeito integral às regras do direito.

Acredito na evolução da consciência pacífica na nossa sociedade, mas enxergo os fatos. Como integrante de uma geração de brasileiros que sentiu na pele a privação da liberdade, estou convicto de que é preciso defendê-la, sempre. Hoje, uma grande ameaça à liberdade vem do crime e da violência, da presença inadequada do Estado e mesmo de sua ausência.

Adolescentes especialmente violentos contribuem para manter a sociedade num estado permanente de tensão, como se as pessoas que trabalham e pagam impostos estivessem condenadas a uma vida de receios, temores e tragédias. Temos o direito à liberdade fundamental de não sentir medo. Isso implica em definir crime como crime, lei como lei, bandido como bandido. O Estado tem o dever de reeducar esses adolescentes. Mas também tem o dever de proteger os cidadãos contra sua violência.

As sociedades andam sempre mais depressa do que as leis, seja nas coisas positivas; seja, infelizmente, nas negativas. A legislação eficaz consegue responder a novas realidades, tendo como horizonte a paz social e o cumprimento da lei maior, a Constituição. Não adianta afirmar que inexiste solução mágica para a violência. Os brasileiros não estão cobrando uma resposta dos mágicos, mas das autoridades públicas, que têm o mandato das urnas e da lei para responder às suas angústias. É o que queremos.

José Serra é governador do estado de São Paulo.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]