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Alguém se lembrou de que acabamos de passar pela Semana da Pátria? A pergunta parece provocativa e desagradável, mas não é esse meu intuito. Nessa época, em Rio Negro, a diretora do Grupo Escolar General Rebello do meu tempo de criança, dona Malvina, e dona Climene, a primeira professora, minha e de minha irmã Maria Tereza, estariam em polvorosa preparando as crianças para o desfile escolar e as mães estariam engomando os guarda-pós e passando alvaiade nos tênis. Meus dois irmãos mais velhos, José Amadeu e Carlos Henrique, estariam tirando no par ou ímpar a primazia para desfilar no grupo do Ginásio Rio Negro com a bicicleta toda enfeitada; sim porque o dinheiro da família era curto e os dois dividiam a mesma bicicleta. Saudosismo piegas? Patriotada? Talvez, mas o que sei mesmo é que o patriotismo – o sentimento daqueles que amam a pátria e o demonstram publicamente é uma espécie em acelerado processo de extinção.

Às vezes a questão é intelectual. Em seu belíssimo hino à paz e à tolerância, John Lennon sugere que se "imagine que não existam países, não é difícil fazê-lo; nada porque morrer ou matar". Alguns desenvolvem uma convicção política ou doutrinária internacionalista. Os "globalizantes" fanáticos anseiam pelo dia em que todas as barreiras nacionais caírem e o mundo se transforme em uma grande aldeia global, um espaço único em que empresas, pessoas, mercadorias se movimentarão livremente protegidas apenas por regras de respeito contratual claras e inequívocas.

Essas são convicções perfeitamente justificadas se imaginarmos a enorme dificuldade que há entre os valores permanentes "da pátria" e o de seus eventuais governantes. Não acredito, por exemplo, que os 70% dos americanos que se opõem à guerra do Iraque amem menos sua pátria O que eles definitivamente amam menos são seus atuais governantes, alguns dos quais ilustram com perfeição a máxima do Dr. Samuel Johnson de que "o patriotismo é o último refúgio dos canalhas!".

Mas essas são maquinações da mente enquanto que os assuntos da pátria pertencem ao domínio dos corações, e não dos cérebros. Pátria tem a mesma origem etimológica de "pai" e os pais não esperam ser entendidos, esperam ser amados. Nunca se terá uma pátria enquanto acreditarmos que nossa devoção a ela só é devida quando há uma coincidência entre os nossos interesses pessoais e grupais e os interesses da pátria como um todo. A pátria não se constrói com unanimidades de pensamento nem apenas respeitando o pensamento das maiorias e sim com a unidade de sentimento de devoção e de sacrifício desprendido. A pátria é objeto de amor, não de teses acadêmicas.

Que os brasileiros comuns amam sua terra e se orgulham dela não há nenhuma dúvida. Basta ver o que ocorre nos estádios em que a multidão canta o refrão "eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor!". Já os indefectíveis intelectuais de plantão desprezarão essas manifestações, esse patriotismo de estádio. Porém eu pergunto: e além dos estádios, do esporte, onde é que a grande maioria dos brasileiros vai achar motivos para ter orgulho desta terra? Eles não são ligados nas coisas da economia para saber que, em poucas décadas, passamos da posição de quinquagésima economia do mundo para a nona. Nem são especialistas em tecnologia para se orgulhar de um país que em 1955 não produzia um só veículo e hoje produz 3 milhões por ano; um país que se transformou no segundo maior produtor mundial de aeronaves leves; e no líder mundial em tecnologia de barragens e hidreletricidade. Nem estão atentos para o fato de que o país de agricultura atrasada dos anos 60 se tornou em poucas décadas um dos líderes do agronegócio mundial. Tudo feito por uma população à qual foi negado quase tudo aquilo que o mundo civilizado já disponibilizou para seus filhos há muitas décadas, até séculos: uma educação de qualidade, um sistema de saúde tranqüilizador, a garantia contra a violência e o esbulho, a ampliação das oportunidades. O orgulho dos estádios é epidérmico, mas vem do coração. Igualzinho ao dos verbos de Olavo Bilac:

"Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! Criança! Não verás nenhum país como este! Olha que céu! Que mar! Que rios! Que floresta!

A Natureza, aqui, perpetuamente em festa, é um seio de mãe a transbordar carinhos.

Vê que vida há no chão! Vê que vida há nos ninhos, que se balançam no ar, entre os ramos inquietos! Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!

Vê que grande extensão de matas, onde impera fecunda e luminosa, a eterna primavera! Boa terra! Jamais negou a quem trabalha o pão que mata a fome, o teto que agasalha... Quem com o seu suor a fecunda e umedece, vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece! Criança! não verás país nenhum como este."

O último verso é porém de cobrança a todos nós brasileiros: "Imita na grandeza a terra em que nasceste!"

Belmiro Valverde Jobim Castor é brasileiro com muito orgulho e com muito amor.

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