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No começo foi apenas mais uma tentativa de aula peripatética: tirar os estudantes da PD-06 (a minha sala de aula preferida do Centro Poli­­técnico da UFPR) e levá-los a visitar as antigas arquiteturas da cidade. A colonial, a eclética, a da imigração, a da madeira, a art-déco, a modernista. Não sei se a sur­­presa maior foi a deles ou a minha, a reação mais comum era do tipo: "Puxa vida, eu não sabia que tinha essas coisas tão interessantes em Curitiba!"

Pois é, tem... mas se é assim com estudantes de Ar­­quitetura, dos quais se espera tenham um mínimo de motivação prévia para as questões de espaço, construção e patrimônio cultural, como será com o cidadão egresso de um ensino básico e médio meramente informativos e insuficientes? Nesse despreparo, com origens na preguiça mental fabricada e explorada pela televisão, reside a grande dificuldade de argumentar a favor da preservação daquilo que são, essencialmente, fatos culturais.

Costuma-se atribuir a responsabilidade de preservar aos órgãos do Estado, munidos de instrumentos pouco eficazes como o tombamento e o registro como Unidade de Interesse de Preservação. No entanto, o Estado representa os interesses capitalistas – aos quais, por sua vez, em sua obtusidade e ganância, o que interessa é refazer eternamente, nas águas de imensos lucros. As pessoas à frente dos órgãos de preservação têm de enfrentar interesses econômicos e políticos, ignorância e, o que é pior, má-fé. É uma área em que se conseguem alguns feitos heroicos – levando porrada.

Não se pode dizer que não tenha havido, de uns tempos a esta parte, melhoras – principalmente, a associação da preservação ao turismo faz tilintar a caixa registradora, e causa surpresas do tipo: "Ué, mas será que alguém vai querer ver essa velharia?!"

No entanto, a preservação associada ao turismo é uma deformação: deve-se preservar o que tem valor cultural, quer isso atraia turistas, quer não. O bem cultural é um valor em si, não precisa "servir pra alguma coisa".

Outra deformação comum é encarar a coisa patrimonial como nostalgia – quando, na verdade, ela interessa precisamente aos jovens, para os quais as lições que ela contém podem indicar caminhos – e não me estou referindo aqui aos estudantes de Arquitetura apenas.

Recentemente, encontrei no Setor Histórico um casal de italianos passeando, interessados em ler nas construções a história da cidade. Pensem por um momento no que isso significa: eles vieram de um país que abriga quase 80% do Patrimônio da Humanidade – e estão interessados nas nossas construções de pouco mais de um século, no que elas podem lhes contar!

Claro que Curitiba não tem os esplendores da Itália nem mesmo as maravilhas barrocas mineiras. E é exatamente por isso que nosso patrimônio é importante: ele fala das coisas curitibanas, conta nossas trajetórias e percalços. A história da gente de uma cidade que saiu de vilinha colonial há pouco mais de 300 anos e se tornou uma das mais importantes do país.

Talvez ainda não tenhamos nem mesmo feito uma pergunta óbvia: temos testemunhos de toda a nossa história? O Setor Histórico – com suas extensões mais evidentes, a Rua XV, a Barão do Rio Branco, a Praça Tiradentes – já é alguma coisa, sem dúvida, mas não dá conta da história da cidade. Toda a área desde a Saldanha Marinho – aliás local privilegiado nos primeiros tempos da cidade nascente – até o Cemitério Municipal, é a região mais curitibana de Curitiba.

Falta ainda estabelecer uma paisagem ferroviária, ao longo do eixo Praça Generoso Marques, Barão do Rio Branco, Sete de Setembro até a Garagem de Litorinas e o Rebouças. Falta também uma paisagem modernista: Rua Barão do Serro Azul, Praça 19 de Dezembro e Centro Cívico, até o Olho.

Os bairros mais tradicionais – Alto da Rua XV e Alto da Glória, Batel, Mercês, São Francisco – e mesmo outros mais distantes, como Santa Felicidade e Tatuquara – teriam a ganhar, para seus moradores e para a cidade, com alguma atenção para seus referenciais e arquiteturas tradicionais.

É muita coisa? Não, não é, daria para listar mais. Não se pensa em tombamento para isso tudo, mas de regras especiais de zoneamento e uso. Que controlassem, por exemplo, a transformação via "aluguel para fins comerciais" das velhas "villas" em mega escritórios e clínicas onde a giga-afluência de dinheiro leva a adaptações raramente criteriosas.

As casas de madeira, é claro, independentemente do romantismo que inspiram, são a mais paranaense das arquiteturas. Ainda que seja preciso transladá-las, num projeto como a esquecida "Vila da Madeira", é preciso pensar nelas.

A tradição brasileira com a preservação cultural ainda é muito recente, oficialmente tem pouco mais de setenta anos. O que não nos isenta de preocupações com o legado ao futuro, muito pelo contrário, nos responsabiliza, neste momento, com muita premência.

Key Imaguire Junior é professor aposentado do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPR

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