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O presidente Lula disse ao repórter Kennedy Alencar da Folha de S. Paulo que a missão da imprensa não é fiscalizar, é informar. Jus­­tificou: para fiscalizar já basta o Tribunal de Contas da União e a Corregedoria-Geral da República.

No mesmo dia em que foi publicada a inacreditável adesão à autocracia, Lula foi atacado por um novo surto da fiscalafobia e proclamou que o Brasil está travado pelo excesso de controle do mesmo TCU que pouco antes declarara suficiente para vigiar o Executivo. Desatento para a esquizofrênica contradição, o presidente de uma República que se apresenta como democrática denunciou a existência de uma poderosa máquina de fiscalização impedindo o trabalho de uma pequena máquina de execução. E foi mais longe: sugeriu a punição dos agentes da fiscalização quando ficar comprovado que suas suspeitas eram infundadas.

Em resumo: Lula não quer fiscais pt saudações – na imprensa, no TCU, na CGR, na Receita Fe­­deral e no Ministério Público. Lula só quer aplauso. Ele próprio confessou ao repórter Kennedy Alencar: "Odeio intermediário com o povo. Esse negócio de gente falar por mim, eu não gosto. Por isso falo muito".

Fala muito e, parece, pensa pouco: o chefe do Executivo tem a obrigação de saber o significado da peça básica que distingue o regime democrático de um sistema autoritário – o equilíbrio entre os poderes. Nenhum arroubo de eloquência pode servir de pretexto para ameaçar esta conquista do sistema representativo.

Se Sua Majestade está frustrada com o descomunal atraso das obras do PAC não pode, sob hipótese alguma, jogar a culpa nos fiscais e ameaçá-los com o paredon. Este tipo de intimidação não se ajusta à imagem de um líder emergente, "o cara", tão louvado nos quatro cantos do mundo como antítese de Chávez ou Ahmadinejad.

O presidente Lula nomeou a maioria dos ministros do TCU, a Constituição de 1988 que ajudou a escrever e depois jurou respeitar, garante a autonomia necessária ao controle das despesas, antes e depois de serem efetuadas. A instituição foi criada no formato atual por Rui Barbosa quando era Mi­­nistro da Fazenda, em 1890, em seguida à proclamação da República e logo legitimada pela primeira carta republicana. Dois anos depois, em 1893, durante o surto autoritário do marechal Floriano Peixoto, houve uma tentativa de cercear sua autonomia. O mesmo aconteceu quando a ditadura militar precisou exibir rapidamente os frutos do Milagre Brasileiro antes que aumentasse a pressão popular por mudanças.

Quem não gosta de controles, vigilância, fiscalização ou regulação são os bonapartistas, cesaristas, voluntaristas. E déspotas – assumidos ou distraídos. Os conservadores americanos e seus parceiros no Brasil estão detestando os controles impostos por Barack Obama para evitar novas debacles no sistema financeiro. Não querem perder o seu ilimitado poder de beneficiar-se em detrimento do interesse público.

À esquerda ou à direita, o messianismo e a onipotência são desvios concomitantes na esfera emocional e política. Denotam uma impaciência basilar com qualquer forma de divergência. Acionam acessos de fúria diante de qualquer contrariedade ou contraditório. Criam uma perigosa sensação de infalibilidade que aliada à falsa retórica do senso comum atropelam o bom-senso. Já vimos este filme nos anos 30 do século 20 e as reprises são caricaturais.

Informar e fiscalizar são ações seqüenciais, partes do mesmo processo. Ao informar, fiscaliza-se, ao fiscalizar informa-se. Proibir uma, liquida a outra. Falar não produz transparência. No Estado Novo, o D.I.P. era chamado de "O Fala Sozinho". Caiu de podre.

Alberto Dines é jornalista

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