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Em um movimento que desafia a lógica do aprimoramento institucional e a busca por um ambiente de negócios mais ético e previsível, o Congresso Nacional volta a debater uma proposta que, na prática, pode ser chamada de "PEC da Imunidade ". A aprovação pela Câmara dos Deputados da PEC 3/2021, que amplia o foro privilegiado e dificulta a punição de agentes políticos por crimes comuns, ainda que o Senado a tenha sepultado posteriormente, representa um grave retrocesso e um ataque direto aos pilares que sustentam um Estado de Direito sólido e, consequentemente, uma economia pujante.
Para um país que almeja atrair investimentos e garantir crescimento sustentável, a segurança jurídica não é um mero detalhe, mas sim o alicerce sobre o qual se constrói a confiança. Investidores, nacionais e estrangeiros, analisam o risco-país não apenas sob a ótica econômica, mas também pela qualidade e previsibilidade de suas instituições. Uma Proposta de Emenda à Constituição que transforma o Legislativo em um refúgio contra a responsabilização penal de parlamentares que cometeram crimes envia uma mensagem inequívoca de instabilidade e de que as regras do jogo podem ser alteradas para beneficiar interesses particulares.
Essa PEC da Imunidade atenta diretamente contra os avanços que o Brasil, a duras penas, vem tentando consolidar no campo da governança e do compliance. Enquanto o setor privado é cada vez mais demandado a implementar robustos programas de integridade, com políticas anticorrupção, canais de denúncia e auditorias rigorosas, o setor público sinaliza na direção oposta. Como exigir das empresas uma postura ética e transparente quando o próprio legislador busca criar para si um regime de exceção? A mensagem é contraditória e mina a credibilidade de todo o sistema.
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A aprovação de tal medida criaria um abismo regulatório e ético, fragilizando o ambiente de negócios e tornando o Brasil menos competitivo. O compliance, que pressupõe o cumprimento de normas e a adesão a princípios éticos, perde força quando a mais alta esfera do poder político demonstra desapreço pela responsabilização. A integridade deixa de ser um valor universal para se tornar uma obrigação seletiva.
Mais do que nunca, o que se exige é o fortalecimento do compliance público. A administração pública e seus agentes devem ser os primeiros a dar o exemplo, submetendo-se ao escrutínio da lei e da sociedade, sem privilégios ou subterfúgios. A ética não pode ser um conceito abstrato, mas um valor tangível, refletido em cada ato e em cada lei aprovada. A PEC da Imunidade é inaceitável não apenas por seu conteúdo, mas por tudo o que ela simboliza: o triunfo do interesse privado sobre o bem comum e a negação dos princípios básicos da República. O custo de sua aprovação será pago por toda a sociedade, com menos investimentos, mais corrupção e uma democracia mais frágil.
Fernando Moreira é especialista em Direito Societário, Governança e Compliance.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



