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Sessão do Congresso Nacional que aprovou Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2023
Congresso aprovou a PEC 15/22, apelidada de “PEC Kamikaze”.| Foto: Wesley Amaral/Câmara dos Deputados

A chamada “PEC Kamikaze” é inegavelmente inconstitucional. Ao prever, às vésperas da eleição, a distribuição de mais de R$ 41 bilhões de reais em benefícios sociais e impor um perigosíssimo “estado de emergência”, em contexto de graves ataques do Executivo à lisura do sistema eleitoral brasileiro, a Emenda Constitucional 123/2022 viola a essência do Estado Democrático de Direito, as regras de ouro eleitoral e fiscal, o espírito do voto livre e o teto de gastos.

Como disse Hamilton Dias de Souza, “a criação de auxílio emergencial como moeda para a compra de votos, ao colocar os cofres públicos a serviço da vitória nas urnas, chega a ser teratológica. Não há interesse público que a legitime”. A dúvida, agora, é saber se e, principalmente, quando o STF declarará sua invalidade.

O tribunal foi acionado na ADI 7212, mas há uma questão preliminar. O Partido Novo, que ajuizou a ação, alega, com razão, ter havido equívoco na distribuição da ação ao ministro André Mendonça, o que precisará ser resolvido logo pelo STF. Afinal, os efeitos das normas poderão ser irreversíveis para os cofres públicos e a idoneidade das eleições.

Aos R$ 32 bilhões de precatórios não pagos em 2022, somar-se-ão, ano a ano, outros milhares de precatórios, o que criará um estoque de dívida impagável, superior a meio trilhão de reais, em 2026.

A PEC Kamikaze também chama a atenção por ser a prova definitiva da inconstitucionalidade das recentes Emendas Constitucionais 113 e 114/21, que impuseram o calote no pagamento das dívidas públicas reconhecidas pelo Judiciário, os chamados precatórios.

É preciso relembrar que o presidente Bolsonaro alegava não ter como pagar os R$ 89 bilhões de precatórios, previstos no orçamento de 2022, pois isso “ia parar tudo no Brasil”. Seria necessário postergar R$ 32 bilhões, para o azar de milhares de beneficiários que, há décadas, aguardam o recebimento de direitos definitivamente reconhecidos pelo Judiciário.

Assim, com o objetivo declarado de “evitar um colapso financeiro e da máquina pública” (exposição de motivos da PEC 23/21), estabeleceu-se um subteto anual para o pagamento de precatórios. Com isso, aos R$ 32 bilhões de precatórios não pagos em 2022, somar-se-ão, ano a ano, outros milhares de precatórios, o que, de acordo com o Instituto Fiscal Independente, criará um estoque de dívida impagável, superior a meio trilhão de reais, em 2026.

Já está comprovado, na ADI 7064, em trâmite no STF contra as ECs 113 e 114/21, que a alegada impossibilidade de pagamento de precatórios era mais uma “fakenews”. O caixa do Tesouro tinha – como ainda tem – mais de R$ 1,5 trilhão. Além disso, a obtenção de R$ 98 bilhões no orçamento, em função da regra de sincronização da atualização monetária e da retirada dos acordos diretos e dos precatórios do FUNDEF do teto de gastos, previstos nas próprias ECs 113 e 114, permitia, por si só, pagar todos precatórios, sem calote, além do Auxílio Brasil.

Ficou claro que o calote foi aprovado com vício de motivação e desvio de finalidade. Sua finalidade não era evitar o colapso da máquina pública ou respeitar o teto de gastos e sim conseguir mais espaço fiscal para a realização de gastos em ano eleitoral, como emendas de relator, fundo eleitoral, auxílio a caminhoneiros, benesses fiscais etc.

A PEC Kamikaze é a prova concreta do desvio de finalidade e vício de motivação nas emendas dos precatórios. Afinal, ao dar de ombros para o “teto de gastos”, ela libera em torno de R$ 41 bilhões no orçamento, dinheiro público mais do que suficiente para pagar os R$ 32 bilhões em precatórios “pedalados” em 2022. Isso não deverá passar despercebido pelo STF.

Daniel Corrêa Szelbracikowski, advogado, é mestre em direito constitucional e especialista em direito tributário e sócio da Advocacia Dias de Souza.

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